314 - Pérolas e diamantes: a fome e a ratoeira
A situação política em Espanha, mas sobretudo na Grécia e em Portugal, revela que o camarada Kondratiev tinha razão: “Não há revolucionários sem revolução.”
No entanto, a miséria continua a disseminar-se por esse planeta fora. O jornalista, e romancista, Martin Caparrós resolveu percorrer o mundo na tentativa de encontrar a resposta a uma pergunta: O que é a fome?
Dessa viagem global nasceu um livro: A Fome, onde o autor argentino nos dá conta de muitos casos dramáticos e de um sistema complexo que exige respostas complexas.
Numa entrevista à LER afirmou sem papas na língua que “cada vez mais é preciso fazer jornalismo contra o público”.
Caparrós considera que a influência do politicamente correto faz com que escondamos as coisas que queremos dizer ou que digamos muito menos daquilo que pretendemos afirmar.
Com o politicamente correto, esforçamo-nos por subutilizar a linguagem, refugiando-nos no “burocratês”.
Apesar disso, ou por isso mesmo, existe uma causa ativa que lança milhares de pessoas para fora do sistema, que não servem para nada. Existe atualmente um sistema que não sabe como pode aproveitar milhões de pessoas, mas, ao mesmo tempo, reconhece que não as pode deixar morrer, porque parece mal.
Martín Caparrós não se ilude nem deixa que nos iludamos: “Não digo que os queiram matar, mas que se pudessem deixá-los morrer, deixavam, porque não sabem o que hão de fazer com eles. A crise dos refugiados é prova disso.”
Ouviu muita gente, em sítios muito diversos. Passou horas a escutar o que tinham para lhe dizer. O que mais o entristeceu foi o facto da maioria das pessoas não vislumbrar nenhuma saída para a sua situação de fome e miséria. No máximo falam-lhes de Deus. Diz que conheceu poucos famintos ateus.
Por isso critica a religião organizada porque, na sua opinião, “se milhões de pessoas não acreditassem que a sua única saída é esperar que Deus lhes dê algo, procurariam outra solução”.
O papel da religião foi sempre o de acalmar aqueles que não têm nenhuma razão para estar calmos, porque lhes falta o essencial. Convencem-nos até de que sofrer é bom.
Chocado com a realidade e com o papel da religião na desculpabilização da fome e da miséria, zurze na Madre Teresa de Calcutá como em centeio verde. Há uma frase famosa da Madre que cita no livro, em que ela falava sobre o bonito que é ver o sofrimento dos pobres.
“Não é bonito, é terrível. Uma ideologia que admite que o sofrimento dos pobres é uma coisa bela, é terrível.”
Por exemplo, a Índia é o país onde mais pessoas passam fome. E isso acontece há gerações e gerações. “São pessoas que não só estão resignadas como, mais do que isso, vivem meias vidas, com um desenvolvimento físico e intelectual muito diminuído. São cerca de 800 ou 900 milhões.”
Entretanto, aqui na Europa, assobiamos para o lado. Longe da vista, longe do coração. Aqui continuamos a pensar nas cotas leiteiras e no subsídio para a vaquinha. Está bom de ver que um indiano é bem menos importante do que uma turina made in UE.
Esse facto lembrou-lhe um cidadão indiano que lhe disse que numa próxima encarnação queria ser uma vaca europeia, pois dessa forma recebia muito mais dinheiro do que nesta sua pobre situação.
No entanto, o cidadão europeu que preenche o impresso estandardizado para receber o seu subsídio da União Europeia não deve esquecer que só uma ratoeira oferece queijo de graça.