24
Ago06
O espaço entre
João Madureira
Há sempre um espaço que sobra ou que falta naquilo que temos para andar.
É nesse espaço por preencher onde a memória põe os seus ovos de formiga.
Sobeja tanto tempo à manhã como falta à noite.
Só a tarde nos remete para o lento escorregar da luz esbranquiçada do sol.
No campo descem as doninhas às suas tocas.
No mar, os pescadores deitam as suas redes para apanhar o peixe.
No céu, as águias planam em redor dos olhares dos roedores assustados.
Nos lameiros andam os cavalos sedentos de cavalgadas heróicas em busca de água e fêmea.
Mas é à noite que o silêncio se impõe.
É à noite que sinto que as tuas palavras fazem sentido.
É à noite quando a lua espalha o seu brilho de prata.
É à noite que me ponho a observar o rio reflectindo os pontos de luz das estrelas que já morreram há milhões de anos.
É à noite que me esqueço do dia.
Por isso percorro incerto os caminhos fortuitos das pessoas a quem homenageio.
E espero num banco de jardim a tua chegada para te ver iluminar como te iluminaste no último arraial de fogo e dança.
A paz esteja contigo.