A raiva do homem que sente
Os homens enrolam de novo a contemplação. O teu corpo, agora murcho, graceja de desprezo. É raiva o que ele sente. O teu corpo sente raiva. A raiva sente o teu corpo, com um certo desprezo pelo brilho da tua decadência. Está gasto de saltar o tempo. O ar sente remorsos da morte. Da Terra que morre em contemplação. O céu vê brotar a erva demorada dos jardins. Em verdade em verdade vos digo: os caminhos da dor são eternos, não a memória dos milagres, não a bondade dos deuses. Os querubins exaltam os pregões do amor. O servir limita os homens que contemplam. Sentes-te ameaçado pela máquina que se fecha na transformação da imobilidade. Oh, deixa-te arrebatar pela chama do espírito. Deus é um girino criador que se metamorfoseia de êxtase triunfal. Aleluia, aleluia. A criança do Nilo chora no seu cesto de vime. Entretanto eu procuro as moradas de Osíris, de Horus, de Amon Ra. Alguém avança no tempo soprando canções eléctricas. Não há espaço. Deixa estar. Dorme. Descansa. O relógio dá horas doces. O pequeno canário canta a velhice do padre eterno. O padre eterno consola-se observando a doçura branca das raparigas púberes. Elas, de boca aberta, mostram-lhe o que vem a seguir. A seguir vem o amor pegajoso das meninas más. Ó inocência! Então senhorita, cucu. A senhorita de boca aberta segue o crepúsculo. O prazer crepuscular da sua púbis. Os dedos ganham vida própria. Sim, os dedos, não os poetas. Poetas houve que tendo ambição cantaram a luz. Não te assustes se eu agora voltar a ti. As linhas das tuas mãos silenciosas misturam a consciência com o nome cego dos bichos. Por isso eu repouso em cima do teu corpo como uma máquina de jogar. Deixa que mais uma vez escape à razão. Lentamente. Como uma árvore alva de neve. Deixa lá. Peço-te.