325 - Pérolas e diamantes: da política ao desperdício ou o desperdício da política
Foi interessante de ler a entrevista de Durão Barroso ao Expresso. Ele que passou mais de trinta anos ligado à política acaba por confessar que aquilo de que verdadeiramente mais gosta não é da política. A política foi um acidente de que não se arrepende mas que quer olhar com alguma distância.
Foi para a política por causa dos debates. Mesmo sem ninguém lhe perguntar, o ex-presidente da Comissão Europeia respondeu que aquilo de que gosta mais não é da política mas da arte, da literatura, do teatro, da música e das artes plásticas. Isso sim é que lhe dá uma grande satisfação. Quem diria?
A política fá-la porque às vezes não lhe resiste. E isso já vem dos tempos da juventude, quando militante do MRPP contestava tudo e todos. Depois começou a escalar as prioridades e acabou no PSD. Ele sabe o que os políticos passam e aquilo que valem. Com a escola que tem nenhum de nós duvida.
Ele que foi secretário de Estado, ministro, primeiro-ministro e presidente da Comissão Europeia sabe muito bem daquilo que fala. Todos nós acreditamos que sim.
Está perfeitamente consciente das agruras da política. E da espuma dos dias. E do pó que o tempo lança sobre tudo. Aquilo que fica é Shakespeare, Camões, Cervantes, Montaigne ou Dante.
Os políticos podem ser importantes – os que o são, claro está –, mas ao fim e ao cabo a política é instrumental.
Na sua perspetiva, a política deve evitar o sofrimento dispensável, deve criar as melhores condições, mas aquilo que verdadeiramente nos realiza é a ciência, o conhecimento e a cultura geral.
Por vezes parecemos ratos enjaulados dentro da nossa própria liberdade.
Importante é sabermos de onde somos e para onde vamos.
O problema é definirmos a nossa zona, digo eu. O Centro do país não, porque somos do norte. O Litoral também não, porque detestamos a areia, a água salgada e os escaldões. O Interior é pedregoso, a planície alentejana abrasa, dá-nos cabo dos nervos e o branco cega-nos. Um pouco de luz dá algum jeito, mas os ventos fustigam-nos o poder de decisão. No Minho chove muito e o vinho é verde. A Estremadura tem muita terra calcinada, faz-nos lembrar La Mancha, a terra de D. Quixote. No Ribatejo os toiros bravos (ei toiro lindo?) andam à solta e as rãs não param de coaxar.
Olhamos para o mapa e não nos conseguimos decidir: aqui chove, ali neva, acolá queima, além sofre-se com o trânsito. Aqui lembramo-nos de tudo, ali pasmamos com o carnaval, acolá, bem acolá, acolá…
O melhor é mesmo viver numa cidade onde o rio passa ao meio, cruzado por uma ponte milenar, onde podemos ouvir o som marulhado das águas do Tâmega, onde podemos apreciar a mistura das cores do poente, onde a água quente rompe do chão aos borbotões, onde as pedras retalhadas guardam memórias em silêncio, onde nas ruas tortuosas ainda passam almas boas, onde as conversas ainda têm o sabor a amizade, onde muitas casas são emolduradas por lindas varandas, onde as memórias são cozidas em lume brando, onde a cor da água se mistura com as lendas e dá origem a fontes misteriosas, onde os silêncios mais profundos são invisíveis, onde as ruas se cruzam e desembocam numa fronteira interior, onde se chora recordando a morte dos heróis, onde os rostos dos mais velhos estão calejados por sulcos de sangue, suor e lágrimas, onde até as rochas são rugosas e os mais dedicados dos seus filhos perseguem eternamente a pedra de Sísifo, onde as casas enlouquecem porque vão perdendo a memória, onde muitos dos dias são deitados fora como se fossem boletins do totoloto não premiados.
Onde agora nos apetece escrever com giz nas paredes como antigamente o fazíamos nos quadros ou com o ponteiro de ardósia nas lousas da escola.
E onde as resmas de folhas escritas se vão amontoando pensando nós em reciclá-las para não parecer mal tanto desperdício.