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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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20
Fev17

329 - Pérolas e diamantes: Donald Trump é kitsch

João Madureira

 

 

Oiço Marine Le Pen falar e tenho uma sensação de déjà vu. A senhora, dizem, é de extrema-direita. É contra o euro, a união europeia e a NATO. Exatamente o mesmo discurso do PCP e do BE em Portugal que, dizem, é a extrema-esquerda portuguesa, partindo do princípio, claro está, de que o PS é a esquerda, ou é de esquerda, ou é socialista, já que partido é-o de facto, com as vantagens que todos lhe reconhecemos, sobretudo para os seus dirigentes e apaniguados

 

Ao que tudo indica estão-se a trocar os nomes e os níveis semânticos mais populares da política. A esquerda parece uma nova direita e a direita encaminha-se, já não para o centro, mas diretamente para a esquerda. Talvez tenha sido por isso que, nos EUA, Donald Trump conquistou os votos dos operários da indústria do rust belt (cintura da ferrugem). Também ele é contra a NATO, a União Europeia e o euro. Ou seja, defende os mesmos princípios teóricos de Jerónimo de Sousa, Catarina Martins, Marine Le Pen e de Nigel Farage.

 

Em França, o direitista Fillon, foi apanhado por, enquanto deputado, ter criado um emprego fictício para a mulher, Penelope Fillon, e para dois dos filhos, o que lhes permitiu receber centenas de milhares de euros de fundos parlamentares. O centrista Emmanuel Macron foi quem mais beneficiou com a escandaleira. Dizem as sondagens que pode ser ele o próximo presidente francês, isto se a putativa “frente republicana” se unir contra a extrema-direita de Le Pen.

 

Numa coisa Emmanuel tem razão: “Alguns políticos fingem falar em nome do povo, mas são apenas ventríloquos.”

 

Também Angela Merkel se vê atrapalhada nas sondagens, já que pela primeira vez uma delas colocou a chanceler alemã atrás do social-democrata Martin Schulz. 

 

É tudo uma questão de imparidades. Por causa delas, os bancos registam todos os anos centenas de milhões de euros de perdas em créditos concedidos. Assumem agora que essas dívidas são incobráveis. A destruição de valor é gigantesca. Desde 2008, ultrapassa os 40 mil milhões de euros. Uns não pagam porque foram à falência, outros safam-se porque as garantias que deram não são executáveis. 

 

Joe Berardo, esse génio dos negócios e altruísta da arte, por exemplo, pediu mil milhões de euros à Caixa, ao BES e ao BCP para comprar ações. Deu na altura como garantia outras ações que valiam, dizem os analistas financeiros, cerca de 5 euros. A dívida de milhões da Ongoing aos bancos já citados foi dada também como praticamente perdida. A Lone Star, candidata à compra do Novo Banco, também já veio dizer que o crédito concedido ao construtor civil José Guilherme (o tal senhor que ofereceu um presente de 14 milhões de euros a Ricardo Salgado) está perdido.

 

Como se isto fosse pouco caiu-nos em cima a eleição do inenarrável Trump. O escritor Paul Auster considera que, por causa disso, o futuro da América está em risco. E põe o dedo na ferida: “Apesar das belezas da Constituição Americana, os EUA é um país fundado em dois enormes crimes: o genocídio dos indígenas e a escravatura durante 350 anos. É obsceno!”

 

No seu país, diz Auster, “ninguém quer saber de intelectuais ou escritores. As únicas figuras públicas que as pessoas gostam de ouvir são os atores de cinema”, e, digo eu, os demagogos do kitsch.

 

Eu explico. Kitsch, é uma espécie de ideia artística que envolve a falsificação da verdadeira arte, ou, então, o seu rebaixamento sensacionalista. Pretende tornar aceitável tudo aquilo que, na existência humana, é intolerável e se esconde atrás de uma fachada de sentimentalismo barato, beleza enganadora e virtude aparente.

 

Kitsch, defende Javier Cercas, “é uma mentira narcisista que esconde a verdade do horror e da morte”. Da mesma forma que “o kitsch estético é uma mentira estética – uma arte que, na realidade, é uma arte falsa –, o kitsch histórico é uma mentira histórica – uma história que, na realidade, é uma falsa história.”

 

Trump pertence ao kitsch político, porque é um embuste político, uma realidade adulterada e fabricada, uma mentira estética, uma história falsa.

 

Tudo isso é Trump. Donald Trump é tudo isso e, se calhar, até é um pouco mais.

 

PS - Peço que, se vos for possível, me desculpem estes apartes aparentemente insubstanciais. Mas eu não me pretendo esconder atrás dessa perspetiva cobardolas de não escrever o que me sai da alma, para, em troca, escrevinhar aquilo que acham que devo escrever para agradar aos críticos, aos falsos amigos e aos néscios oficiosos.

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