330 - Pérolas e diamantes: a mão herética do deus António Lobo Antunes
Deixem que vos confesse uma coisa: eu aprecio bem mais as entrevistas do que os romances de António Lobo Antunes. Pode parecer uma confissão herética, mas é verdadeira. Ele, na sua imensa modéstia, diz que escreve com a mão de Deus. E que os seus romances (?) são polifónicos. A mim soam-me mais como música estocástica de Iánnis Xenákis. A sua dita polifonia é, por assim dizer, uma dissonância permanente que nos leva quase até ao absurdo e à incompreensão.
Talvez por isso, como referiu ao Expresso, não é fácil viver com ele pois parece estar sempre em guerra civil. Não revelou foi contra quem ou a favor de quê.
Às vezes pensa, e bem, creio eu, como Verdi, que com os seus 82 anos, quando lhe perguntaram porque não escrevia a sua autobiografia, respondeu: “Já levei 60 anos a maçar as pessoas com a minha música e agora vou maçá-las com a minha escrita?”
Além disso considera que todos os livros são autobiográficos. Que vida tão emaranhada deve ter experimentado o senhor. Que coisa sem sentido.
Diz que quando escreveu as cartas de guerra à sua namorada “era bonito que se fartava. Agora é um monstro”. Provavelmente, na sua simplicidade introspetiva, um monstro das letras.
Conheceu o pugilista Mike Tyson, que considera “inteligente que se farta”, na Public Library de Nova Iorque. O que foi um dos momentos altos da sua vida, pois o nosso eterno candidato ao Nobel é um apaixonado pelo boxe. Quem diria! Até pensou escrever um livro sobre pugilismo.
O boxe, para Lobo Antunes, é muito bonito. O seu pai organizava combates entre os seus filhos na casa de banho, com a porta fechada à chave para a mãe não entrar. Eram miúdos.
Diz que espera escrever apenas mais dois livros e acabou-se, pois tem “medo de escrever porcarias... De não ter sentido crítico, pois os escritores que vivem muito tempo começam a fazer porcarias e não percebem”. O que não é, definitivamente, o seu caso. Nem pouco mais ou menos.
O nosso estimado romancista foi muito precoce. Segundo diz, e segundo a sua mãe contava, aos dois anos já falava espanhol. Aos 13 anos o seu pai deu-lhe uma segunda edição de “Mort a Crédit”, de Céline, e ficou deslumbrado.
Quando o filho disse ao pai que queria ser escritor, ele logo o avisou: “Isso não é boa ideia, estuda, namora. Porque se fores escritor não podes fazer mais nada.”
O António não queria ser António, que era o nome do avô, mas sim Sérgio. Ele até gostava muito do avô, mas embirrava com o nome. O avô levava-o aos museus a Itália e dava-lhe “explicações enormíssimas em frente de cada quadro. Depois havia os escarradores.” Ele “só gostava dos escarradores. Queria lá saber dos quadros! Velasquez? Meninas? Queria lá saber”.
Diz que acredita em Deus, mas que está sempre zangado com ele. O que não admira, pois continua a estar zangado com o falecido José Saramago. Nunca teve nada contra ele, diz ele. Mas o Saramago tinha-lhe “um pó, uma inveja”. Nunca percebeu porquê.
Ele, o Saramago, na opinião do António, “achava-se mesmo um grande escritor”. Ele, o António, que gostaria de se chamar Sérgio, “sempre achou aquilo (os livros do José, especialmente o “Memorial de Convento”) “uma merda”. O Saramago, além de escritor de merda, na opinião do António, possuiu sempre o defeito de ter “mulheres de direita, enquanto se afirmava comunista”. E cita Juan Marsé para arrasar Saramago: “Non es un escritor es um predicador.”
Os bons escritores, diz o António, devem ser humildes.
Por isso é que Lobo Antunes chegou a fazer um teste de QI e descobriu que tinha 187.
A sua mãe costumava dizer: “Não há nada mais estúpido do que um homem inteligente”. Na opinião do seu filho tem toda a razão.
Terminamos com um seu desabafo: “A quantidade de coisas estúpidas que fiz ao longo da vida…”