336 - Pérolas e diamantes: lugares-comuns e portas giratórias
Eu costumo dizer que os lugares-comuns ganham o estatuto de lugares-comuns por serem tão evidentemente verdadeiros.
A Geringonça cada vez se parece mais com uma rosa mecânica feita e comemorada por céticos, cínicos, celebrados, celerados e alguns alucinados. Por vezes desorganiza-se mas volta a reorganizar-se segundo outros moldes.
Atualmente assemelha-se a um carro de bois onde as rodas rangem porque lhe falta o sebo e começa a estalar como um móvel construído com madeira húmida.
Todos começamos a sentir que sem dinheiro as coisas não avançam e quase todo o dinheiro disponível já se gastou. Quando não se é suficientemente prático, o mais normal é enganarem-nos.
Por vezes também nos enganamos a nós próprios.
É muito difícil haver liberdade de escolha se não se aprendeu a escolher.
Os portugueses assemelham-se a tentilhões que não se cansam de piar, enclausurados em gaiolas presas ao teto por longos cordões que baloiçam e estremecem continuamente com os seus saltos.
Temos de ser sóbrios depois da bebedeira experimentada durante os anos repletos de subsídios comunitários. A sobriedade tem de nos centrar de novo num discurso político justo e verbalmente honesto, sem nos preocuparmos em demasia com a maneira como a Europa nos ouve ou como vai reagir perante o que se lhe está a dizer. E isso é bem mais difícil de fazer do que parece à primeira vista.
Convém no entanto saber que atribuições ocasionais como, por exemplo, a ironia, resultam na morte da linguagem do compromisso. E a parvoíce também costuma não render grandes benefícios.
Dizem os filósofos que gostam do desporto que a vida é como o ténis, os que servem melhor normalmente ganham.
Dizem os céticos que a verdade é aquilo que nos torna livres, depois de ter acabado connosco.
A realidade costuma ser incómoda e motivadora de desconforto. É como se existisse uma regra que afirma que as coisas reais só podem ser referidas se todas as pessoas se puserem a piscar os olhos e a sorrir sem estarem felizes.
Os ratos também se costumam enfiar nas searas de trigo para fugirem à perseguição de que costumam ser alvo.
Sente-se que os distintos executivos nacionais, mais do que nos governarem, entretêm-nos.
Não há melhor música para a infelicidade do que o fado e não existe melhor melodia para o engano do que os hinos partidários.
A política em Portugal, por muito que nos custe, faz-se em passeios de iate, em encontros realizados às escondidas, onde se abatem bancos, empresas e postos de trabalho. E onde se financiam as campanhas dos que têm de ganhar.
Os políticos são animais anfíbios.
Eles sabem que o ontem já se foi e que o amanhã tem que tardar a chegar.
Em cada início de ciclo governativo, os primeiros-ministros procedem como os imperadores incas que matavam os cronistas do seu predecessor, para dessa maneira cada novo imperador escrever a história segundo as suas conveniências.
No topo das estruturas partidárias já quase só encontramos gente sem escrúpulos. São aqueles que tiveram de trepar para subir e se revelam estranhamente maus quando se veem lá no cimo.
São os mesmos que vemos dirigirem-se para as entradas envidraçadas das instituições que tutelam, com um vago sentimento de culpa e uma certa perplexidade que os assalta, ignorando um antigo amigo ou colega mal vestido, ou com aspeto de necessitado, ou doente, ou infeliz. Ou…
A todos eles devemos lembrar que as portas do poder são giratórias.