346 - Pérolas e diamantes: a arrogância é sempre má conselheira
Durante a campanha eleitoral americana ouvi alguém dizer, amargurado: Entre os dois candidatos, venha o diabo e escolha. E foi isso o que aconteceu. Agora os ditos liberais que descalcem a bota. Se é que podem.
No dia da derrota, Hillary Clinton, que poucos admitiam poder ser derrotada, pôs fim à sua carreira política de maneira inglória, decidindo não falar aos apoiantes e ao mundo, quase os culpando do seu desaire eleitoral. Saiu pela porta baixa. O que é inexplicável vindo de quem sempre se afirmou democrata.
Contrariando as sondagens, o multimilionário Donald Trump chegou mesmo à Casa Branca e com uma vantagem que ninguém esperava. O seu discurso de vitória foi um ensaio de reconciliação com a América, pena foi que estivesse vazio de conteúdo. Mas ninguém pode dar aquilo que não tem.
Carlos Gaspar, investigador de Relações Internacionais afirmou ao Expresso que “só os mais crédulos admitem que Trump desistiu do seu programa”.
No fundo, os americanos entenderam que o programa político de Obama estava esgotado e que Hillary Clinton era mais do mesmo. A senhora cometeu dois erros graves: tratou sempre arrogantemente os apoiantes de Trump e resolveu mesmo imitar o adversário, quando desceu ao nível dele, não o cumprimentando no último debate.
Todos os jornais diziam que a vitória de Trump era impossível. Quase todos os jornalistas, e a esmagadora maioria dos comentadores e seus congéneres, se limitaram a viver no seu condomínio fechado em círculo onde reproduziam as mesmas piadolas pretensamente liberais, as mesmas ideias pré-fabricadas, as mesmas intrincadas narrativas, a sua facciosa e delirante maneira de ver o mundo, a sua realidade irreal, que depois vendiam às pessoas como se fosse a verdade mais objetiva do mundo.
Podem não gostar do Trump, e até possuem muitas razões para isso, mas também têm o dever de perceber a realidade e as pessoas que votaram no vilipendiado republicano. E quando as suas teses não resistem ao embate com a realidade, podem e devem fazer-se encontrados com ela. Ficávamos todos a ganhar.
As últimas sondagens americanas diziam que Trump tinha cerca de 35% de probabilidades de ganhar. Mas afinal venceu. E a onda de choque que varreu o mundo logo após a declaração de vitória pelos media foi diretamente proporcional à arrogância das elites ditas progressistas. Mais uma vez não quiseram, ou não conseguiram, ler a realidade e perceber o mundo que os rodeia.
Andaram tempos infinitos a diabolizar o adversário da “sua” candidata Hillary, a dizer que só os imbecis, os idiotas e os estouvados votavam no “abominável” homem do capital. Limitaram-se a confundir o seu desejo com a realidade de um povo. Alimentaram-se de distintos preconceitos.
Afinal as mulheres abandonaram a candidata democrata e votaram maioritariamente em Trump, os afro-americanos e os latinos não votaram maciçamente em Clinton como se esperava e a grande parte dos brancos educados mantém-se fiel ao Partido Republicano.
Hillary Clinton perdeu porque se enfiou dentro da sua bola de cristal e limitou-se a acreditar nas pitonisas de serviço: o New York Times, a CNBC e a CNN.
Desta vez, estes poderosos órgãos de informação foram mesmo parte ativa na estratégia da campanha Democrata, em nome da sua superioridade ética e informativa.
E nesta dinâmica de derrota, Hillary arrastou consigo o Presidente Obama e o Partido Democrata: perderam de uma assentada a Câmara de Representantes e até o Senado. E vão deixar de controlar o Supremo Tribunal.
Neste frenesim, o próprio Obama rompeu todas as convenções para se transformar no speaker de Hillary. No que foi acompanhado por Michelle Obama e até pelo ex-Presidente Bill Clinton.
A isenção necessária foi sacrificada no altar das conveniências e das lógicas de poder.
Esta vitória de Trump traz para o debate político várias e preocupantes evidências: o declínio da democracia, o bloqueio do sistema político, a importância do dinheiro na ascensão ao poder, o aumento das desigualdades, as questões de identidade, o crescimento significativo das minorias étnicas, a emigração desenfreada e caótica, as questões fraturantes como a legalização do aborto, os direitos dos homossexuais e o consumo das drogas.
Ninguém pode negar que existe uma vaga populista, que em alguns casos é mesmo extremista, que se está a espalhar um pouco por todo o lado, desde a América até à Europa de Leste.
A atual elite no poder tem necessariamente de pensar se realmente representa o povo ou se está essencialmente preocupada em representar-se a si própria e aos seus interesses bem como os dos grupos económicos onde se apoiam.
Por alguma razão, o eleitorado americano brindou os Democratas do seu país com o pior resultado eleitoral desde 1979. Se os ditos progressistas e liberais continuarem a não considerar este um resultado muito negativo, então é porque insistem em viver na sua realidade paralela. Mas não será por muito tempo. Oxalá me engane.