352 - Pérolas e diamantes: Diversão e cultura
Há por aí gente dita importante que possui o complexo de Sansão: fazem desmoronar o templo à sua volta. Sei que são capazes de organizar coisas complicadas. Mas não tenho a certeza de que possam organizar coisas simples. São até capazes de decidirem uma questão antes mesmo de pensarem nela.
Qualquer pessoa que queira ter influência sobre o que se passa à sua volta tem de ser, em certa medida, um oportunista. Mas a verdadeira distinção existe entre aqueles que adaptam os objetivos à realidade e aqueles que procuram moldar a realidade à luz dos seus objetivos.
O negativismo tem de acabar. É necessário gerar algo de positivo porque se não teremos de ficar por aqui como guardiões do caos. E para sempre. Alguns dos laços ligados às convenções já pouco significado têm. Devemos julgar os homens pelos seus méritos. O poder não pode ser um fim em si mesmo.
Até se compreende a ambição e a cobiça, mas os verdadeiros farsantes misturam a irresponsabilidade e o diletantismo. E isso acaba por ser obsceno.
Quando alguém emana uma postura serenamente autoritária, devemos sempre reparar para além da capa superficial, pois quase sempre existem pequenas fissuras que nos revelam outra pessoa menos edificante.
Os partidos são hoje, mais do que nunca, uma agência distributiva de favores em troca de consenso. Os ideais, pobres coitados, fazem já só parte do mobiliário. Não há pior maldade do que a superficialidade.
George Steiner tem razão: vivemos numa cultura de piedade elegante, pois estamos sempre a pedir desculpa e a dizer quão profundamente os acontecimentos nos afetam, sem nada fazermos para alterar o estado atual das coisas.
Mas um bom pensamento acaba sempre por encontrar um pensador. A cultura não é só o somatório de distintas atividades, é mesmo um estilo de vida. Os consumidores limitam-se a ser consumidores de aparências.
Vivemos num tempo cultural onde a semântica incorporou a incultura disfarçada de cultura popular.
Hoje já não há ninguém inculto. Somos todos cultos. Já ninguém sabe verdadeiramente o que é cultura. Tudo o é e já nada o é. Vivemos no meio desse paradoxo.
Muita da gente que nos vendem por culta não é séria. Divertem-se a jogar com as ideias e as distintas teorias. São como artistas de circo que jogam com cilindros, lenços e cartas e nos divertem e até nos maravilham quando tiram coelhos da cartola. Só que não convencem.
Vargas Llosa tem razão. Na civilização do espetáculo, infelizmente, a influência que a cultura tem sobre a política, em vez de exigir que mantenha certos padrões de excelência e integridade, contribui para a deteriorar moral e civicamente, estimulando o que possa haver nela de pior, por exemplo, a simples farsa.
O atual ritmo cultural dominante vai substituindo as ideias e os ideais, os debates intelectuais e os programas culturais pela publicidade e pelas aparências. É o jogo do faz de conta.
A raiz do problema está na banalização lúdica da cultura predominante. O valor supremo é agora a diversão. As pessoas abrem um jornal ou ligam a televisão ou até se atrevem a comprar um livro para passar o tempo, no sentido mais corriqueiro do termo. Detestam martirizar o cérebro com preocupações, dúvidas e questões mais difíceis. Pretendem apenas distrair-se. Querem esquecer-se das coisas sérias, profundas, preocupantes. Entregam-se nas mãos dos devaneios leves e agradavelmente superficiais, que a seu ver são saudavelmente estúpidos.
Van Nimwegen estudou os efeitos da internet no nosso cérebro e nos nossos hábitos e concluiu que confiar aos computadores a solução de todos os problemas cognitivos reduz “a capacidade dos nossos cérebros para construir estruturas estáveis de conhecimento”. Ou seja: quanto mais inteligente for o nosso computador, mais parvos seremos.
Só as boas leituras fazem com que a nossa memória arrecade a memória do tempo. De outra forma é impossível.