25
Jul06
Eles sempre souberam
João Madureira
O lento entardecer das árvores inspira-nos a perder o medo à doutrina oculta do Graal.
Enquanto o carro percorre as estradas vazias do interior, algo se vai desfazendo de encontro aos gomos empíricos da noite.
E a noite não vem. A noite tarda. Assim como tardam as explosões oníricas das nascentes. Ou os olhares hiperbólicos dos deuses. Ou os gemidos tímidos dos humanos.
Arrefecem lentamente os sítios das crianças.
Mas a noite demora. E a hora desmembra-se.
O vagaroso escurecer das casas abraça-nos com desejo.
Rezam as avós pela alma dos defuntos. Escondem-se as abelhas nos favos.
Os grilos adormecem com o próprio canto e a noite, que tarda, entardece silenciosamente.
Cada vez mais para o interior voa o nosso olhar.
Cada vez mais para o interior se espalha a viagem ao fim da noite.
Cada vez mais para o interior se dispersa o sangue dos animais decapitados.
Arde a madeira nas lareiras internas do medo.
Os bosques cicatrizam com a luz dos archotes dos deuses imprudentes.
Inclina-se a tarde para as ruínas das aldeias.
Já não mais será possível voar no sorriso genuíno das mães.
Já tudo implodiu.
Resta-nos esperar que o tempo feneça.
Um murmúrio disléxico fixa a vontade.
Já ninguém corre no caminho que desagua no rio.
Os pássaros morreram a comer bagas envenenadas.
E nós sabemos que eles sempre as souberam distinguir.
Eles sempre as souberam distinguir.
Eles sempre souberam.