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Jul06
Mais ao Sul
João Madureira
Escrevo-te do S.
Ainda ando cá por baixo a gozar os rendimentos, que, não sendo muitos, são os suficientes para me manter à tona da água, que, sendo salgada, é tão água como a outra, só que não se pode beber, senão secamos por dentro e isso é mau. Mesmo muito mau. Especialmente para a saúde.
A saúde anda boa, graças a Deus. Deus é que não sei como passa. Mas não me é fácil adivinhar que, da forma como o mundo respira, o próprio e o subentendido se encontram bastante deprimidos. Os Homens são uns camelos forrados de lantejoulas e vestidos de orangotangos.
Para me incomodar ainda mais do que aquilo que estou todos os dias, hoje perdi os meus óculos e, verdade seja dita, não enxergo grande coisa à vista desarmada. E olha que por aqui, segundo oiço comentar, há coisas dignas de serem vistas. Mesmo quando se faz vista grossa, que não é o mesmo que dizer que existe caça grossa à vista. Disso aqui já não se encontra. A caça grossa rumou a outras latitudes.
Aqui subo muito. Depois também desço aquilo que subi. Só que descer é bem mais descansado do que subir. Mas lá vou tenteando as coisas como posso. Se é que posso tentear alguma coisa de que valha a pena conversar.
Mas, caro amigo, sinto-me muitas vezes só. Mesmo no meio de milhares de concidadãos. A solidão é uma coisa muito pessoal. E, como sabes, eu sou muito pessoal. Talvez pessoal demais. Mas, como diz o povo, quando se sabe a comida sobra e quando se sobra a família cai ou quando a família cai outros valores mais altos se levantam. Que o mesmo é dizer que ande a vontade por onde andar a minha casa há-de vir descansar.
Mas no meio da confusão não sei bem onde a comida sabe, ou a família sobra. No entanto prometo pensar maduramente no assunto.
PS Não te esqueças de dar de comer às minhocas. O resto que se lixe.