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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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27
Nov17

369 - Pérolas e diamantes: A impunidade do tempo

João Madureira

 

 

José Gil considera que a tragédia dos incêndios é em parte o nosso espelho. De facto, os nossos governantes, todos eles sem exceção, como muito bem diz o filósofo, habituaram-se “a pensar, a pensar e a gostar de pensar, e a julgar até que basta pensar para que tudo se resolva. Mas não chega pensar. É preciso agir.”

 

Pensar o Estado dos afetos, referindo-se a Marcelo Rebelo de Sousa, segundo ele, não é ridículo. Aí discordamos. Os afetos do senhor Presidente da República já começam a causar embaraço e algum mau estar, de tão excessivos e corriqueiros. Estou em crer que o mais alto representante do estado português não deve ser uma espécie de Madre Teresa de Calcutá vestida de fato e gravata que beija tudo e todos e que apenas distribui sorrisos e abraços. É que o ridículo também mata.

 

Na entrevista que deu ao jornal Negócios, o filósofo português considera que já faz parte da nossa tradição e da nossa maneira de ser não ligarmos ao nosso passado, nem ao nosso presente. Daí Portugal necessitar de uma revolução de mentalidades, na forma de uma mutação radical, mas não necessariamente através da revolta política. A revolução deve ser realizada na sua dimensão social e espiritual.

 

Pensa que esta fobia momentânea de acorrer aos danos, após o fogo posto, pode não passar de fogo-fátuo, receando que o desleixo continue, bem assim como “o esquecimento e a desvalorização a que está sujeita uma parte importantíssima da nossa sociedade, da nossa comunidade nacional”.

 

De facto, as pessoas do interior são esquecidas “e a nossa política esquece-as por não inscrição”, pois “elas não têm importância e, portanto, faz-se uma política de combate aos fogos que fica no papel e despois esquece-se, esquece-se alegremente”.

 

E porquê? Pois porque aquilo que consideramos que tem importância passa-se nas cidades. Tudo aquilo que está relacionado com a cultura, com as novas tecnologias, com o “show” citadino que isso envolve, encontra-se nas cidades, nas grandes cidades. As pessoas de um “outro passado e de uma outra geração” são desvalorizadas. E o mais trágico é que “elas sabem que não existem e que não contam para o Estado”.  

 

O projeto político de combate aos fogos tem de valorizar a nossa cultura ancestral, a nossa cultura rural, o passado. Esse passado, que está a desaparecer, ainda permanece vivo nessas pessoas. E tudo isso é nosso, “é o nosso presente que também é feito do nosso passado. E nós agimos como se esse passado não existisse mais, como se não contasse”.

 

Integrar o povo e a cultura na política deve significar que os projetos têm de ter em conta as pessoas. Mas o que parece interessar, e, convenhamos, com a prestimosa cooperação do nosso Presidente de República, é a mediatização do sofrimento.

 

Os urbanos vivem numa espécie de indulgência irrefletida, esquecendo-se que o território existe. E existe porque essa gente esquecida e abandonada continua a viver no meio rural, a mantê-lo, sem os meios necessários, sem a respetiva valorização, sem o reconhecimento de que elas pertencem a Portugal.

 

Como José Gil recorda, “não interessa unicamente lembrar, é preciso que a lembrança se interiorize e se integre em nós, é preciso que essa lembrança nos leve, também, à ação”.

 

Passada a fase do espanto e do horror, aquilo que é notório é que o discurso dos partidos voltou ao simplismo de sempre, ao plano habitual. A clivagem ancestral entre campo e cidade continua inalterada e inalterável. É uma clivagem política mas também cultural. Os nossos intelectuais também se estão a borrifar para isso. O que interessa é o Eça, o Saramago e o Lobo Antunes, a denominada alta cultura.

 

O tecido rural já está a dissolver-se, a desaparecer e com ele é toda uma cultura que vai acabar. Mas ainda não acabou, ainda existe, e resiste, um pouco em cada um de nós.

 

Há por aí uma visão que pensamos moderna, mas que é já muito antiga. Os marxistas continuam a pensar que o que interessa é a estrutura, pois o homem pode ir-se embora, mas a estrutura continua. Sociologicamente tal ideia está ultrapassadíssima. O que faz arder o país é, sobretudo, a politiquice.

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