396 - Pérolas e Diamantes: António Campos Bravo de Esmolfe
Li uma entrevista de António Campos ao jornal I onde afirma que uma parte da sua fortuna foi gasta na política. Depois do desperdício de dinheiro, este fundador do PS resolveu abandonar a política e regressar a Oliveira do Hospital, à casa onde cresceu, no seio de uma família abastada e republicana, prometendo bater-se para que os seus ex-colegas políticos não ignorem o interior do país.
É agora o maior produtor a nível nacional de um fruto que se chama maçã Bravo de Esmolfe.
Não ficou com saudades da política porque, para ele, são as causas aquilo que conta. Pensa que atualmente elas não existem.
O estimado camarada António Campos agora apenas vive “a causa do Interior”.
Assegura que é uma tragédia ter metade do país a desenvolver-se e a outra a empobrecer e a desaparecer. Vê o governo a reclamar todos os dias em Bruxelas a coesão e todos os dias a fazer discriminação em Portugal.
“Não foi só este”, diz ele, “mas este governo é igual. Não há diferença nenhuma”.
Vê-se que não é apreciador nem de António Costa nem da sua “geringonça”, que acha incapaz de sobreviver a esta legislatura.
Sente que os partidos políticos estão afastados das grandes causas.
Quarenta e quatro concelhos foram reduzidos a cinzas. E continua sem existir uma estratégia. Os apoios não chegam. É necessário haver reestruturação fundiária para instalar a agricultura e para poder colocar jovens.
Deve haver sensibilidade a nível nacional, pois o desenvolvimento do país não pode ser só concentrado à beira-mar.
Numa coisa tem razão, os maiores incendiários são aqueles que protegem e defendem a floresta que é amiga do fogo. A bagunça é total. O tão propalado ordenamento do território não existe.
Os seus melhores amigos foram Fernando Valle e Miguel Torga, com quem conviveu muito.
No dia 25 de abril de 1974 foi para Lisboa fazer a mobilização para a chegada de Mário Soares a Santa Apolónia. Uma coisa, no entanto, o espantou: ver toda a gente a aplaudir. Descobriu, ele que tinha passado uma vida clandestina, que, de repente, havia milhões de democratas em Portugal que ele desconhecia. Foi talvez das coisas que nunca conseguiu encaixar.
Apreciei a parte em que António Campos falou da generosidade de Almeida Santos e da despreocupação de Mário Soares.
Segundo ele, Mário Soares nunca perdeu uma noite de sono, pois tinha a vantagem de chegar ao fim do dia e desligar da política com uma grande facilidade. Conseguiu juntar o entusiasmo que tinha pela política com o entusiasmo de viver. Bons tempos.
Lembra que convidaram Almeida Santos para “o eleitorado despejar o ódio que tinha havido por causa da austeridade. O Soares estava com 8 % e nós dissemos ao Almeida Santos: Tu candidatas-te e levas uma porrada monumental para abrir caminho para o Mário Soares”. Bons tempos.
Revelou que chegaram a preparar a candidatura de Almeida Santos à presidência da República. Como homem avisado, ele foi ouvir a opinião da mulher. Ela opôs-se violentamente.
De facto, Almeida Santos “era um homem de uma dimensão inacreditável e de uma cultura fantástica, mas não tinha ambições políticas nenhumas”. Bons tempos.
Recorda que Mário Soares, como político avisado, nunca gostou da unanimidade no partido. Por isso obrigava o seu amigo António Campos a arranjar sempre um sarilho para haver oposição. Daí o enorme valor do sótão de António Guterres. Ou seja, o sótão era visto com bons olhos pois tinha a função de picar os militantes desanimados para se organizarem contra eles. Organizados, eram facilmente controláveis.
O sótão do agora Secretário-Geral da ONU era muito acarinhado por António Campos. Bons tempos.
Já com o José Sócrates “era impossível criar pontes”. Segundo António Campos, depois de Guterres, “que não era capaz de dizer não, o PS precisava de uma liderança forte”. Por isso escolheram o Sócrates, porque era “o único gajo que era capaz de ter mau feitio”.
Numa coisa concordamos, nas críticas ao último primeiro-ministro do PSD. “Passos Coelho é um tipo mesmo de direita. Estava desenquadrado. Era um servidor de experiências políticas e a Troika fez o que quis. Eles aplaudiram e ainda queriam mais. Tenho uma opinião de que a ideia era vender o país todo”. Maus tempos.
Na sua opinião, hoje há uma fuga dos melhores da política, por razões salariais. O que não foi, manifestamente, o seu caso.
António Campos herdou uma grande fortuna. Quando andou pela política teve de vender todos os anos um terreno. Apenas ganhou dinheiro quando esteve no Parlamento Europeu. Uma parte da sua fortuna foi gasta na política, pois, segundo ele, na Assembleia Constituinte nem lhes pagavam. Estiveram lá muito tempo sem vencimento. Teve de emprestar dinheiro a muitos seus camaradas para poderem ir para casa. Bons tempos.
Uma coisa sabemos, se emprestou algum desse dinheiro a José Sócrates, vai ter de ir para a fila de espera para o recuperar.