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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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25
Jun18

398 - Pérolas e Diamantes: O mérito, o demérito e a decadência

João Madureira

 

 

 

Confesso que não sou um apreciador de líderes políticos, nem um seguidor de quimeras e, muito menos, me entusiasmam os militares e a sua arte de se imiscuírem na política. É tudo uma questão de ADN, apesar do meu pai ter sido militar na Índia, defendendo a fé e o império, e depois GNR.

 

Mas abro sempre uma exceção quando se trata de Ramalho Eanes. A sua integridade e a sua honestidade são características dignas de registo.

 

Ele esteve à frente do país, como Presidente da República, logo a seguir ao 25 de Abril (de 1976 a 1986), ou melhor, para os defensores da liberdade sem peias ideológicas, logo a seguir ao 25 de Novembro, do qual foi um dos protagonistas. Tomou posse com apenas 41 anos. Tem agora 83.

 

Aderiu ao MFA porque o feria na sua honra e dignidade a difundida “inevitabilidade de sermos um país pobre”.

 

“Éramos um país pobre”, disse ele ao Expresso, “tínhamos de continuar a sê-lo, estávamos na cauda da Europa, tínhamos de continuar aí. Esse princípio de inevitabilidade foi posto em causa por esta solução política. E conseguiu fazer uma coisa fundamental: reconstruir de alguma maneira a Unidade Popular”.

 

Considera o senhor General que renasceu a convicção de que trabalhando em conjunto vamos todos viver melhor, pois há crescimento económico e redução do défice. No entanto, os sinais preocupantes seguem presentes: o investimento continua extremamente baixo e as grandes reformas não foram feitas. É necessário substituirmos a cultura interpartidária do conflito pela consensualização.

 

É que a dialética esquerda-direita, que foi extremamente positiva no seu tempo, perdeu consistência, peso, dimensão e efeito. De facto, igualdade e a solidariedade, os dois grandes desígnios da esquerda, descaraterizaram-se.

 

A igualdade, segundo Ramalho Eanes, “acabou num certo igualitarismo perverso e acabou por aceitar-se que a solidariedade se fosse transformando numa espécie de solidariedade assistencial. Não é essa a tradição da esquerda”.

 

O trabalho político também tem descido de qualidade, porque os partidos políticos se transformaram em clubes seletivos e fechados, emersos na partidocracia, no qual o que conta é o aparelho.

 

O mundo de hoje é dominado por uma mistura feita de individualismo, no plano social, e ultraliberalismo, no plano económico.  Ora, como se tem vindo a provar, para esta nova situação as medidas clássicas da esquerda não chegam e as que a direita defende são claramente insuficientes.

 

Além disso, uma sociedade incapaz de premiar o mérito tende a tornar-se decadente.

 

Em Portugal, a baixíssima natalidade vai trazer-nos problemas de toda a ordem, quer economicamente, quer socialmente. Desta forma não vai ser possível manter a segurança social. Dentro de poucos anos haverá três trabalhadores para dois reformados, o que é extremamente preocupante.

 

E a desertificação prossegue. A nossa população continua concentrada no Litoral, como se o Interior não existisse. E a nossa competitividade continua extremamente baixa. E a nossa dívida continua asfixiante.

 

O consumo, na sua perspetiva,  também é motivo de preocupação. A questão não está no seu volume, está no seu destino. “Há portugueses que se endividam para ir de férias. Compreendo que se faça isso para comprar casa, no limite para comprar um carro, mas para ir de férias? Os portugueses não estão a refletir convenientemente sobre o que é o estado real do país, que não é rico e não ultrapassou a crise, porque ela persiste. Esta crise não é igual às outras, é de rutura. Exige novas respostas, novos métodos, uma grande mobilização e, naturalmente, muitos recursos.”

 

Ou seja, tudo indica que os portugueses não aprenderam o que deviam com a experiência recente. A procura exagerada de crédito, especialmente destinada a consumos supérfluos, não é saudável, nem virtuosa... É simplesmente estúpida.

 

Fácil é concluirmos que os sucessivos governos após o 25 de Abril não cumpriram o seu papel em relação ao Interior. Permitimos que esta parte de Portugal se fosse paulatinamente desertificando, através da eliminação da representação de diversos serviços nas localidades nela inseridos. Não se fez uma política de natalidade e não se criaram incentivos à fixação dos jovens.

 

A esperança, segundo o ex-presidente da República, vem-nos da União Europeia, pois tem feito um trabalho notável, criando condições para o acordo de Paris sobre o clima. Acredita que a economia mundial e a europeia vão crescer a um ritmo que permitirá criar condições  extraordinárias para refazer a arquitetura europeia, dando-lhe uma estrutura “capaz de defender os valores matriciais através de uma operacionalização política sistemática”.

 

O intrépido general diz que quando se olha ao espelho, além de verificar que está velho, entende que está em paz consigo mesmo.

 

E termina a entrevista com uma confissão: “Posso ter cometido erros mas entendo que os cometi quase sempre com bom propósito, boa intenção, com uma correção ética preocupada.”

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