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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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27
Ago18

406 - Pérolas e Diamantes: Cartilha do comentador de “direita”, segundo Alberto Gonçalves

João Madureira

 

 

O comentador de “direita” é, em Portugal,  uma profissão de futuro se ele for “o proverbial idiota útil”.

 

Essa é, pelo menos, a opinião de um verdadeiro comentador de “direita” chamado Alberto Gonçalves. Não conhecem? Pois, é de “direita” e escreve no Observador.

 

O senhor comentador é tão de “direita” que não acredita no milagre económico português. Apesar de, na sua opinião, com o putativo milagre não só caiu o desemprego como se levantaram novos e fascinantes empregos. Mas o tal comentador de “direita” tem de se sujeitar ao mercado,  ou à politicamente correta ideologia de esquerda que grassa na nossa sociedade.

 

O primeiro problema tem a ver com o número de lugares disponíveis, pois os comentadores de “esquerda”, com filiação partidária confessa ou estupidamente camuflada, já ocuparam dois terços das vagas disponíveis.

 

Generoso como é, o verdadeiro comentador de “direita”, que se viu excluído de um lugarzinho na TV, elaborou um guia profissional adequado aos presumíveis candidatos.

 

O comentador de “direita” não pode ser de “direita”, embora o apresentem como sendo de “direita”. Tem de pactuar com essa encenação. Deve defender, com ardor, o atual governo e execrar o anterior. Ou seja, tem de afirmar-se de “direita” mas dar a impressão que é de “esquerda”.

 

O comentador de “direita” deve, no entanto, disfarçar o júbilo que lhe suscita um governo a reboque da “extrema-esquerda”. E pode estar descansado porque ninguém o vai confrontar com tamanha audácia. É livre de dar rédea solta aos elogios a António Costa e considerá-lo, apesar de “esquerdolas”, um personagem de gabarito. Deve louvar empenhadamente a irreverência da raparigas do BE e a coerência de Jerónimo de Sousa, que, por isso mesmo, deve ser imitado pela “direita”.

 

Deve também, fazer uma referência simpática a Assunção Cristas, e referir que, ao contrário do Pedro Passos Coelho, é possível a “direita” fazer uma oposição construtiva. De seguida deve explicar que oposição construtiva é aquela que evita a crispação e aplaude governo.

 

Deve evitar radicalmente fazer qualquer tipo de referência a Cavaco Silva e a Pedro Passos Coelho. Ou mesmo renegá-los. Melhor é fazer como se não tivessem existido.

 

É aconselhável evocar nostalgicamente Mário Soares, a quem até a “direita” deve tudo: a liberdade, a democracia, a alegria de viver em paz e um jantar na tasca típica da Gorda.

 

Se o comentador de “esquerda” lembrar Cavaco Silva e Passos Coelho, o comentador de direita deve especificar que os odeia e que, bem vistas as coisas, condenaram a “direita” à oposição permanente.

 

Já Passos Coelho é tão inconsequente que, apesar de ter corrido com Sócrates e vencido António Costa, foi condenado à oposição e depois despachado para dar aulas numa universidade fatela.

 

Apesar de Sócrates ser acusado pelo Ministério Público de um camião de crimes, deve, o comentador de “direita”, afirmar que mesmo assim não desgosta dele e condoer-se mesmo com o tratamento de que está a ser vítima por parte do MP e dos jornais.

 

Apesar de insuspeito de admiração por José Sócrates, o comentador de “direita” deve ler a cartilha do argumentário socrático, referindo o seu combate épico contra as cavalas, as escutas, a justiça mediática, o Correio da Manhã, o juiz Carlos Alexandre e o mundo em geral.

 

O comentador da “direita” deve tender a achar positivo o desempenho do presidente da República e orgulhar-se de ter amigos de “esquerda”. Ou mesmo referir que tem exclusivamente amigos de “esquerda”.

 

O comentador de “direita” não se deve limitar a abominar a “direita” a que diz pertencer (que é quase tão má como a “extrema-direita”). Deve condenar todos os imoderados que criticam a “esquerda” e exigir-lhes coerência, pois vinte deputados “fascistas” na Holanda tiram-lhe o sono e quarenta deputados de “extrema-esquerda” em Portugal deixam-no dormir tranquilo.

 

E, melhor do que tudo, o comentador de “direita” tem de alinhar com as causas do momento, todas de “esquerda”: os movimentos gay; o apoio aos refugiados que linchariam os gays se por acaso estivessem nas suas terras; a liberalização das drogas leves; a proibição de refrigerantes;  o aborto; a eutanásia.

 

O comentador de “direita” tem de ser tão progressista como o comentador “esquerda”.

 

O comentador de “direita” tem que ser, sobretudo, o proverbial idiota útil para a “esquerda” no poder, para, dessa forma, velar pela liberdade de expressão tão útil para os media avençados que, dessa maneira, podem fingir pluralismo. E, ainda, útil para ele, que dessa forma ganha a vida, apesar de não ter um pingo de vergonha na cara.

 

É, finalmente, útil para todos, pois acaba por ser a consequência de um país triste que assim se pode rir, para não chorar.

 

Propostas genuinamente elucubradoras: Música: Floor Show – Baxter Dury; Leitura: Uma Conjura de Saltimbancos – Albert Cossery; Viagens: http://www.destinosvividos.com/fisgas-ermelo/; Restaurante: Taki-Tá-La - Chaves.

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