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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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19
Nov18

418 - Pérolas e Diamantes: O vime da História

João Madureira

 

 

Ramalho Eanes, lá do alto dos seus 83 anos, disse uma coisa que nos deve servir de lição: “Um homem que olha a sua vida e que não se arrepende de nada é um inconsciente.”

 

O problema é quando olhamos para trás e descobrimos que não fomos gente de bom senso. A leitura de D. Quixote fez-me mal. Mas a verdade é que não posso queixar-me de Cervantes. É como na comida, perdoamos o mal que nos faz pelo bem que nos sabe.

 

Mas até nos livros mais sérios podemos encontrar sempre coisas com graça. Querem um exemplo?, pois aí vai ele. No livro “Ramalho Eanes - O Último General”, de Isabel Tavares, Vasco Vieira de Almeida, conta que em pleno governo de Vasco Gonçalves, foi chamado a S. Bento naqueles tempos de “cobardia suave” para servir de intérprete a uma delegação do Bundestag. Estava ele a falar com o primeiro-ministro quando a secretária vem anunciar a chegada dos deputados alemães. E lá vão eles recebê-los. Entram na sala ao mesmo tempo que um grupo de deputados que em vez de altos, loiros e de olhos azuis, eram atarracados, gordos e morenos. Vasco Gonçalves estende-lhes a mão e diz: “Auf wiederseben!” E o putativo deputado alemão que vem à frente responde num português autêntico: “Senhor primeiro-ministro, muito obrigado por nos receber...” Atalha Vasco Gonçalves: “Mas você fala perfeitamente português.” E o putativo: “Pois, nós somos a administração da Torralta.” “Ai são?! Estão todos presos!” Foi desta maneira que Vasco Vieira assistiu à prisão da administração da Torralta, tendo a impressão de que estava no meio de um filme de Woody Allen.

 

Mas há mais. Quando VVA era ministro da economia do governo de transição de Angola, acabou por escrever uma carta aos movimentos de libertação (MPLA, FNLA, UNITA) a dizer que eram todos uns bandidos. Quiseram expulsá-lo logo de lá, por dizer a verdade. Aquilo era de uma violência enorme, os ministros andavam todos de pistola, que tiravam de uma elegante pasta Samsonite e colocavam em cima da mesa. Agora dá vontade de rir, mas na altura fiava mais fino.

 

Segundo Júlio Castro Caldas, tudo estava a ser manipulado pelo Partido Comunista. E não era sequer por Álvaro Cunhal, ministro sem pasta. Quem mandava no Conselho de Ministros era o Vasco Gonçalves, mas quem mandava no primeiro-ministro (pode parecer surrealista, mas acontecia assim) “era o tipo que fazia as críticas da televisão no Diário de Lisboa, o Mário Castrim, casado com a Alice Vieira e a quem puseram a alcunha de  ‘o Secretário-Geral’. Eram críticas repletas de mensagens que Vasco Gonçalves lia e seguia as suas instruções.”

 

Este senhor, o Castro Caldas, evidentemente, era do PSD e orgulhava-se de “ter antenas” em praticamente todas as situações militares. “E o Eanes, numa dada altura fez o mesmo no PS.” Talvez daí, o facto de Mário Soares não gostar dele. Nessa matéria, quem mandava “era o Manuel Alegre”. Cesteiro que faz um cesto, faz um cento.

 

Na altura do “Verão Quente” os democratas “conservadores” fartaram-se de conspirar. Tomé Pinto, um militar ligado a Eanes, recorda-se das reuniões em casa de Henrique Granadeiro em que o ex-ministro da Administração Interna, Costa Braz, trazia sempre as mensagens nos sapatos.

 

Segundo Joaquim Aguiar, que foi assessor de Ramalho Eanes e também de Mário Soares, refere que enquanto Soares queria que o elogiassem, Eanes queria que o ajudassem a decidir.

 

Joaquim Letria, que também trabalhou próximo de Ramalho Eanes, pois foi porta-voz da presidência da república, lembra que Eanes não aceitava com facilidade “esta coisa de utilizar uma linguagem mais simples nos seus discursos”. E dizia-lhe uma coisa com “muita graça”; contava-lhe que “uma vez tinha assistido a um discurso do Spínola pela televisão, estava em Viseu ou algures na província, num restaurante, ou algo assim, no meio de mais pessoas. E Spínola fez um discurso muito fechado, hermético. Ele pelo menos achou isso. Mas depois, falando com as pessoas que ali estavam, elas disseram: ‘Ah, gostamos muito de ouvir este homem... Sabe, os outros só dizem coisas que a gente também já sabe’.”

 

Sobre as gravações das conversas de Ramalho Eanes com Francisco Balsemão, enquanto primeiro-ministro, refere que “se havia uma coisa capaz de exasperar Eanes era a mentira”.

 

Ramalho Eanes fez um doutoramento aos 71 anos. Adriano Moreira destaca que esse foi o abrir de um caminho para “uma coisa que em Portugal pouca gente nota, que é a estratégia do saber”.

 

Cerca de 50% da população portuguesa acredita que não precisa de aprender mais nada, já sabe tudo, o que é dramático.

 

Talvez por isso, tenha escrito que “a poesia é, assim, uma espécie de brisa fresca que nos lembra que, afinal, nem tudo é o calor asfixiante do interesse; que há muitas vezes, o vento fresco que faz com que olhemos a vida, olhemos os outros, de uma maneira mais próxima e mais afetiva”.

 

O cartoonista António, caricaturou-o com a figura de Dom Quixote, o que lhe assenta na perfeição.

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