26
Jun06
Deixa-te ficar aí
João Madureira
Não me posso sentar porque tenho pressa.
Estou agitado. Estou nervoso. Estou eléctrico.
Estou desejoso de chegar a casa para ler pela terceira vez a obra Pedro Páramo de Juan Rulfo.
Aquilo não me sai da cabeça. Está tudo morto, até o narrador.
Que dor. Que sensação de loucura total.
Não me convences. Prefiro ir ler o livro que ficar aqui a falar de futebol.
Concordo que está fresquinho. Mas não me convences a ficar aqui para falar de futebol.
Vou para casa. E já.
Até amanhã.
Não quero que me acompanhes a casa. O melhor será ficares aqui a falar de futebol com os teus amigos.
Tu até falas bem de futebol.
O problema não está no futebol, está na conversa interminável sobre quem é o melhor a fintar, quem passa melhor a bola ao Pauleta, quem corta melhor os lances do adversário, quem organiza melhor o jogo.
O problema também não está no Pauleta, que não marca golos.
O problema está na conversa, não na bola. O problema está na conversa não nos médios, nem nos defesas, nem nos avançados, nem nos laterais, nem no guarda-redes. O problema está na vossa conversa interminável sobre aquilo que não dominais mas que teimais em discutir como se dependesse da vossa conversa a vitória dos jogadores.
Tu, por exemplo, nunca deste um pontapé numa bola mas falas como se tivesses sido o Eusébio do teu bairro.
Tu até falas bem. Falas mal de tudo, mas falas bem. Dizes mal de tudo, mas falas bem. Tu até falas bem, mesmo quando dizes mal, que é aquilo que sempre fazes.
Agora até já percebes de economia e finanças. E de futebol. E de tácticas. E de educação. E de política internacional. E de política interna.
Deixa-te ficar aí.
Deixa-te ficar aí.
Quero lá saber da lesão do Cristiano Ronaldo. O que eu quero é chegar a casa e sentar-me a ler o livro do Juan Rulfo. Não, não quero que me acompanhes a casa. Eu vou sozinho.
Não, não quero que me acompanhes a casa. Eu vou sozinho.
Não insistas.
Eu vou sozinho.
Quero lá saber do cartão vermelho do Deco.
O que eu quero é chegar a casa e pôr-me a ler o Pedro Páramo.
Quero lá saber da expulsão do Costinha.
Não, não quero que me acompanhes a casa.
Quero ir sozinho.
Tenho pressa. Até amanhã.
Deixa-te ficar aí. Não insistas.
Até amanhã.
Não insistas.
Até amanhã.
Não, não quero que me acompanhes a casa.
Eu vou sozinho.
Quero lá saber quem é que vai substituir o Figo.
O que eu quero é chegar a casa e deitar-me a ler o livro do Juan Rulfo.
Até amanhã.
Não insistas, eu vou sozinho.
Até amanhã.