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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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14
Jun06

Anúbis em casa

João Madureira
2004_1005interioresq0028.JPG

Apareceu-me em casa, não sei ainda bem como, Anúbis, o antigo deus egípcio da morte e dos moribundos, por vezes também deus do submundo. Conhecido também como deus do embalsamamento, o guardião das tumbas e juiz dos mortos. Os egípcios acreditavam que no julgamento de um morto era pesado o seu coração e a pena da verdade.
Por vezes Osíris, o seu pai, aparece também cá em casa e trocamos opiniões. Noutros dias é a sua mãe, Nephthys, quem faz o mesmo e então estabelece uma troca de opiniões muito serena e muito cordata. Ela é uma deusa muito educada, muito curiosa e sábia. Nunca dá uma opinião se não lha pedirem. E mesmo assim pede sempre desculpa. E gosta muito do seu filho a quem não nega rasgados elogios. Já não existem divindades assim.
Anúbis já me apresentou a sua filha, Qeb-hwt, também conhecida como Kebechet. Uma rapariga muito gira, muito estudiosa e serena. Também ela gosta de música, de toda a música, menos a clássica, à semelhança do pai.
Anúbis aninhou-se junto às colunas da televisão e da aparelhagem de som e dali não quer sair.
Ouve com muita atenção a música rock, jazz, pop, hip-hop e até música portuguesa, menos fado que diz que é uma música sempre igual, muito lamechas e pobrezinha.
Mal ele sabe que o fado é a imagem fiel do nosso povo.
O que não tolera é música clássica. Apenas com uma excepção, gosta muito de Bach. Muito, mas mesmo muito.
Também aprecia ouvir o noticiário das nove na SIC Notícias, a cargo do educadíssimo Mário Crespo. Hoje, como ele não apareceu, ficou um pouco inquieto.
Facto curioso é que se mantém ali paradinho, com as suas orelhas espetadas e focinho muito aprumado. Nem sequer pisca os olhos.
Não se emociona com nada. Um deus é um deus. Nunca mostra os seus sentimentos aos mortais. Eu não lhe levo a mal.
Mede cerca de 30 cm mas isso não o impede de ser imortal. Antes lhe facilita a função.
Ontem à noite cantou, para quem o quis ouvir, a canção “Nefretite não tinha papeira” do Zeca Afonso. Cá em casa, porque somos fãs incondicionais do músico português, ficámos de boca aberta, mas muito satisfeitos.
Pedi-lhe então autorização para o fotografar. Ele foi muito prestável. Eu agradeci-lhe e pus-lhe um pouco de Bach na aparelhagem. Ele deu um passo em frente e depois regressou à sua posição inicial.
Depois fui para a cama ler alguma poesia de Herberto Hélder (Poemas do Antigo Egipto), que, segundo me confessou Osíris, é tu cá tu lá com o seu filho.

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