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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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19
Ago19

456 - Pérolas e Diamantes: A força do que tem de ser

João Madureira

 

 

Pois é, caros amigos, toda a perspetiva implica um julgamento. Toda a ordenação revela uma atitude e um temperamento. Segundo os românticos, as revoluções costumam começar sob o signo da fraqueza, da profanação e do insucesso. Uma vez em andamento, a torrente revolucionária caracteriza-se pela bestialidade. A demência torna-se contagiosa.

 

A bestialidade resulta da inépcia e da imbecilidade. As revoluções, para mal dos nossos pecados, acabam por ser causa e consequência da tolice humana que encoraja e que acaba inexoravelmente por esmagar. A sua grandiosidade está no drama e no apocalipse que geram. Por isso são amadas por uns e detestadas por outros.

 

Para os românticos como Flaubert, as suas personagens principais podiam ser definidas como Frédéric (A Educação Sentimental): portadores de “uma prodigiosa cobardia”, de uma inesgotável “pusilanimidade”, um “homem de todas as fraquezas”.

 

E as revoluções aconteciam porque os convidados de Dambreuse “teriam vendido a França, bem como o género humano, para garantirem a sua fortuna, livrarem-se de um incómodo, de um embaraço, ou mesmo por simples baixeza...”

 

O autor de Madame Bovary gostava de dizer que “dentro de cada revolucionário existe um agente da polícia”.

 

Os políticos de agora parecem submetidos à sua ambição, à sua vaidade de novos-ricos, muitas das vezes sem honestidade e elegância.

 

É verdade que a prosperidade traz consigo uma espécie de embriaguez. O poder tanto engrandece como destrói.

 

Os políticos profissionais, sobretudo os intitulados revolucionários, apesar de dizerem amar o Homem, não têm (não temos) a certeza de gostarem de indivíduos.

 

Não raro, os revolucionários poderosos como Lenine, em defesa dos interesses da “causa”, fizeram com que as condições de vida da gente simples se deteriorassem ainda mais para dessa forma produzirem o cataclismo final.

 

Foi nesse desprezo pelas condições de vida da gente comum que estiveram as origens do autoritarismo para o qual a revolução teve a sua propensão tão trágica.

 

O compromisso com a causa superior do povo, muitas vezes à custa de um evidente autossacrifício, foi sempre o atributo essencial desses heróis de ficção. Até nos livros de Álvaro Barreirinhas Cunhal (Manuel Tiago), as personagens com interesses estéticos ou voltadas para as questões alheias à “causa revolucionária” são homens supérfluos, alienados pela sociedade burguesa.

 

Os revolucionários mais intrépidos tiveram como principal mentor Nechaev, autor do “Manual do Revolucionário”, com 26 artigos. O primeiro reza assim: “O revolucionário é um homem dedicado. Não tem sentimentos pessoais, nem assuntos particulares, não tem emoções, apegos, propriedade e nome. Nele, tudo está subordinado a uma única e exclusiva fixação, um só pensamento e uma só paixão – a revolução.”

 

E assim se criaram máquinas humanas de destruição maciça. Pois a sua doutrina dizia que “todos os sentimentos familiares estúpidos e ternos, amizade, amor, mesmo toda a gratidão e honra, devem ser sufocados, e em seu lugar é preciso estar a paixão fria e resoluta para o trabalho da revolução”.

 

Convenhamos que, tal como a mensagem cristã ou a islâmica, a boa nova marxista deixou de representar a salvação.

 

Apesar do logro, a verdade é que o socialismo “científico” não foi o fim da História, mas sim o fim de uma estória.

 

O marxismo, apesar de ser uma via de razão, não é a razão toda. Nem pouco mais ou menos.

 

A verdade é que os neomarxistas, e os novos seguidores de Maurras, pediram emprestadas a retórica e as táticas populistas. Agora não é ao centro que está a virtude. É nos extremos. Na propaganda, todos os gatos são pardos.

 

O grande equívoco dos comunistas, e dos fascistas, foi terem olhado para as massas apenas como material humano necessário para os seus planos revolucionários. Por isso, as suas experiências cruéis só podiam resultar em fracasso.

 

Orlando Figes numa coisa tem razão: “Não foi o marxismo que fez de Lenine um revolucionário, mas sim Lenine quem tornou o marxismo revolucionário.”

 

Por isso começou como um agitador de província, acrescentando a sociologia marxista às táticas golpistas do “Vontade do Povo”, o partido do seu irmão.

 

Todos agora sabemos que o capitalismo triunfou sobre o comunismo porque a maioria dos operários especializados e instruídos sempre esteve mais inclinada a melhorar a própria vida dentro do sistema do que a procurar derrubar esse sistema.

 

Pois é, o que tem de ser tem muita força.

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