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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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23
Set19

461 - Pérolas e Diamantes: A banalização do mal

João Madureira

 

 

Quanto mais leio menos aprecio o ser humano. Se calhar ler faz mal à saúde mental das pessoas. Passo a explicar este meu desnorte. No livro “Hitler - Uma biografia”, Ian Kershaw relata que na “Operação Barbarossa”, no “cumprimento da profecia”, as unidades de assassínio hitlerianas, na sua fase inicial, foram ajudadas por lituanos que decidiram pôr em prática pogroms selváticos contra os judeus. Em Kaunas, um entusiasta local resolveu matar judeus à paulada, um a um, enquanto a multidão que observava – onde se encontravam mulheres que levantavam os filhos no ar para poderem ver o espetáculo –, aplaudia e encorajava o insano.

 

Uma testemunha ocular recorda-se de que cinquenta judeus foram assassinados dessa maneira em menos de uma hora. Quando o carniceiro terminou a matança, pulou para cima da pilha de cadáveres e tocou o hino nacional da Lituânia num acordeão. Os soldados alemães, provavelmente surpreendidos, assistiram impassíveis a tudo. Alguns até tiraram fotografias. O comandante da Wehrmacht da área, o coronel general Ernst Busch, ao ter conhecimento do sucedido, considerou que se tratava de uma questão interna de disputa entre lituanos, pelo que não possuía autoridade para poder intervir. O assunto foi despachado para a polícia de segurança local.

 

Ao que agora se sabe, estes comportamentos patológicos e extremados estavam largamente generalizados entre os novos senhores dos territórios de Leste e muito longe de se confinarem aos nazis mais acérrimos.

 

Milhares de judeus foram levados em grupo para fora das cidades, onde os forçavam a despir-se e a colocar-se no cimo dos outeiros, à beira das ravinas. À medida que as salvas de tiros dos esquadrões da morte ecoavam, os corpos das vítimas iam caindo para a pilha de cadáveres que se amontoavam abaixo delas. As mulheres e as crianças – que eram consideradas como possíveis “vingadores” no futuro – eram agora de uma maneira geral incluídas nos massacres, no seguimento de instruções verbais transmitidas por Himmler e passadas aos comandantes dos vários esquadrões da morte. Assim se foi banalizando o mal. No verão de 1941 foram assassinados no leste, pelos adeptos nazis, cerca de meio milhão de judeus.

 

A princípio, ainda havia algum simulacro de decoro, pois as execuções eram feitas por pelotões de fuzilamento. Mas, decorridas algumas semanas, as mortes eram levadas a cabo com uma metralhadora; as vítimas eram chacinadas nuas enquanto se ajoelhavam à beira das valas.

 

A pacificação do território conquistado a leste, segundo Hitler, tinha de ser conseguida matando a tiro qualquer pessoa “que olhasse sequer de esguelha”.

 

Já na Alemanha, os judeus ainda andavam misturados no meio dos arianos, o que causava muita apreensão. Além disso, constituíam “centros de agitação” e ocupavam apartamentos que eram necessários. Entre outras coisas, os judeus eram responsáveis por açambarcarem bens alimentares. E mesmo pela escassez de morangos na capital.

 

No meio de uma tensão nervosa, e aconselhado por Goebbels, Hitler autorizou que os judeus fossem obrigados a usar um distintivo que os identificasse: a famosa estrela de David, grande e amarela.

 

Começou então a ser pensada a solução definitiva. Pediu-se, para tal, que houvesse uma total clareza desde o princípio com respeito ao destino reservado aos “indesejáveis”, “quer o objetivo fosse estabelecer permanentemente para essas pessoas uma determinada forma de existência, quer estivessem destinadas a ser totalmente aniquiladas”.

 

Começaram então a ser construídas as câmaras de gás em Belzec. Entretanto iniciaram-se os fuzilamentos em massa e os assassinatos nos furgões de gás. Na primeira semana de dezembro de 1941, Chelmno, uma estação de furgões de gás do sul da Warthegau, transformou-se na primeira unidade de exterminação em funcionamento.

 

Em Minsk, 12 000 judeus do gueto local foram executados a tiro pela polícia de segurança, a fim de vagarem espaço para o fluxo de judeus germânicos, pois, segundo o comissário-geral para a Bielorrússia, Kube, as pessoas provenientes da sua “própria esfera cultural” deveriam ser tratadas de maneira diferenciada das “hordas nativas e atabalhoadas”.

 

O ataque japonês Pearl Harbour, a 7 de dezembro, veio acelerar todo o processo, originando que os planos de efetivação de uma “solução final” para a “Questão Judaica” entrassem numa nova fase: a mais assassina de sempre.

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