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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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04
Nov19

467 - Pérolas e Diamantes: O Vermelho e o Branco

João Madureira

 

 

Um ano após os comunistas terem tomado o poder na Rússia, os operários de Moscovo e Petrogrado fizeram greves encarniçadas. A fome tornou-se um flagelo. Segundo Gorki “os trabalhadores cuspiam à menção do nome de qualquer bolchevique”. Tal cinismo estava resumido no lema que apareceu espalhado pelos muros das cidades: “Abaixo Lenine e a carne de cavalo! Queremos o Czar e a carne de porco.”

 

Os grevistas de Sormovo declararam: “O regime soviético, criado em nosso nome, tornou-se completamente alheio a nós.”

 

Lenine foi então alvo de um atentado por parte de uma revolucionária (Kaplan) ainda mais revolucionária do que ele. Escapou por milagre a uma bala que o atingiu com gravidade no pescoço. Kaplan foi torturada e fuzilada. Os apaniguados do querido líder bolchevique escreveram no Krasnaia gazeta, um órgão de circulação em massa, esta prova do espírito dos revolucionários da altura: “Sem piedade, mataremos os nossos adversários, às centenas. Para o sangue de Lenine e Uritsky deve haver torrentes de sangue burguês – muito sangue, tanto quanto possível.”

 

Seguiu-se o Terror Vermelho.

 

A aversão à democracia acabou por desaguar num governo mantido pela violência. Os bolcheviques, vendo a terra a fugir-lhe debaixo dos pés, viram-se obrigados a recorrer ao terror para silenciar os rivais políticos e subjugar uma sociedade que não conseguiam controlar por outros meios. A Cheka tornou-se o braço repressivo dos bolcheviques. Era um Estado dentro do Estado, abarcando praticamente todos os aspetos da vida soviética. De facto, a organização liderado por  Dzerzhinsky tanto tratava do licenciamento dos cães como lutava contra os reacionários.

 

Os seus elementos eram peritos em esmurrar portas a meio da noite, interrogar e deter pessoas sem acusações formais. E também a torturar e a proceder a execuções sumárias. Foram a principal fonte de inspiração para a criação da Gestapo e da PIDE.

 

A Cheka era, na definição de um dos seus fundadores, não uma comissão de investigações, uma corte ou um tribunal. Era um órgão de combate na frente interna da guerra civil. “Não julga, fuzila. Não perdoa, destrói todos aqueles que são apanhados do outro lado da barricada.”

 

Foi por essa altura que os esbirros da Cheka começaram a dar um arzinho da sua graça. Numa sessão do Circo Moscovo, os nada pândegos polícias políticos ofenderam-se com as anedotas antissoviéticas do palhaço Bim-Bom e invadiram o picadeiro, com a firme determinação de o prenderem. Apanhada de surpresa, a plateia pensou tratar-se de mais uma atração. Só que o artista fugiu e os perseguidores alvejaram-no pelas costas. Gerou-se uma algazarra dos diabos e o pânico tomou conta do lugar. Rapidamente a cidade se encheu de comentários a respeito do caso, com veementes censuras públicas à ignóbil atitude da polícia. Centenas de pessoas compareceram ao enterro de Bim-Bom, transformando a cerimónia numa manifestação de desagrado.

 

Parece que na Cheka não liam os clássicos. Engels escreveu que “o terror é composto de crueldades desnecessárias, perpetradas por homens assustados”.

 

Gippius, o poeta de Petrogrado, disse que durante o Terror Vermelho, “não havia, literalmente, uma única família em que alguém não tivesse sido preso, levado ou então desaparecido sem deixar rasto”.

 

Todos seguiram ao pé da letra a afirmação de Lenine de que era melhor prender uma centena de inocentes do que correr o risco de deixar um inimigo à solta.

 

Já do lado dos Brancos, a miséria humana não era melhor. A grande ajuda enviada pelos Aliados das potências ocidentais para auxiliar os exércitos que combatiam os bolcheviques, acabou por desaparecer, em virtude da corrupção. Armas, fardas, lençóis, cobertores e equipamento hospitalar, quase tudo isso foi parar ao mercado negro.

 

Vários generais incitavam os seus soldados com a promessa de pilhagens.

 

Um deles ficou conhecido como o Príncipe dos Ladrões. A grande maioria das tropas era, no dizer de um dos poucos generais honestos, “um colossal cortejo de larápios e especuladores”. Para estes homens, a guerra era uma forma de enriquecimento.

 

A cavalaria Branca transformou-se num corpo especialista em saques, roubando ao povo o pouco que lhe restava depois da coletivização dos Vermelhos.

 

Foi precisamente esta combinação de fatores que levou aos atrozes pogroms contra os judeus.

 

Bem diz o povo que uma desgraça nunca vem só.

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