474 - Pérolas e Diamantes: Confusões
Paul Mason, uma das vozes internacionais mais críticas do sistema capitalista neoliberal, tem um novo livro (Um Futuro Livre e Radioso – Uma defesa apaixonada da humanidade) onde medita sobre a desumanização que transforma os cidadãos em clientes, reduzidos à sua funcionalidade económica, ao mesmo tempo que alerta para o risco da humanidade ser suplantado pela inteligência artificial (IA). No fundo, é a sujeição dos indivíduos às forças do mercado.
Difunde-se na política e na economia o medo, e utiliza-se o ressentimento como forma de manter os privilégios e as hierarquias.
A globalização revela desequilíbrios e os sistemas económicos ficam sem controlo. O mundo é cada vez mais um lugar musculado, desordenado, instável e desigual.
Com a crise de 2008, o sistema de mercado livre implodiu, resultando daí um conflito entre uma elite neoliberal, que não quer perder privilégios, e uma esquerda que não consegue dar uma resposta satisfatória aos novos desafios. No meio estão os cidadãos em estado de confusão, reduzidos à sua funcionalidade económica.
A direita ultraliberal, entretanto, entrou em pânico, e com razão, pois já não consegue manter a sociedade unida e luta desesperadamente para continuar a garantir que as hierarquias não se dissolvem.
Os seus líderes, com especial relevo para Trump, revelam desdém pelos direitos humanos universais, medo pela liberdade, fazendo finca-pé no negacionismo ambiental. Vivem da idolatria e do autoritarismo, tentando fragmentar a ordem mundial.
Querem passar da ordem ao caos.
Tudo fazem para que os cidadãos quebrem a sua confiança em relação à democracia e à política. Sendo capitalistas, abominam o capitalismo estatal, defendendo um capitalismo sem Estado.
Nessa luta, estigmatizam os meios de comunicação que lhes não são fiéis. Em troca, fabricam a toda a hora notícias falsas.
Esta postura política tornou a diplomacia e a política doméstica imprevisíveis.
Esta forma de neoliberalismo nacional, transformou-se num ataque global ao pensamento e à ciência, à lógica e à definição de políticas sustentáveis.
Toda esta confusão resultou em medo, legitimando a violência da extrema-direita, criando uma narrativa racista, misógina e nacionalista. Esta corrente populista sobrepõe-se à lógica e à verdade. A responsabilidade passou a ser relativa.
O neoliberalismo está controlado pelos monopolistas e especuladores. O vício é o de sempre: proteger a riqueza daqueles que já a possuem, reproduzindo as desigualdades.
É necessário reformar o capitalismo para se poder vencer as mudanças climáticas.
Mas existe outro fator de preocupação relacionado com o crescimento do pós-humanismo em todos os aspetos da nossa vida.
Olhares
O controle que se faz dos nossos comportamentos através de algoritmos ou da inteligência artificial, apesar de estar ainda no início, levanta problemas de privacidade, vigilância e liberdade.
Claro que à esquerda também existem tentativas de reciclar o bolchevismo. Por exemplo, Alan Badiou ou Slavoj Zizek, andam a tentar reformar a palavra comunismo. Mas parece ser tarefa impossível.
Basta ir a alguns países onde reinou o “socialismo real” para se perceber que ainda existem pessoas com uma memória viva do comunismo, que o comparam ao fascismo. E o regime comunista da China é até motivo de chacota, por ser uma mistura de autoritarismo, marxismo, confucionismo e contabilidade.
Paul Mason defende que é necessário pensar numa transição do capitalismo, assente numa economia colaborativa e partilhada, “onde seja possível viver numa sociedade sem trabalho automatizado e mais igualitária”.
O seu sonho é ver uma comunidade “sem pobreza, onde a propriedade e as hierarquias não são o mais relevante e em que todos dispõem de tempo livre para desenvolver o seu potencial humano e possuem recursos materiais suficientes para viver”.
Defende, para isso, a necessidade de uma nova esquerda, resiliente, assente num humanismo radical, capaz de requalificar a política. Ele acredita que tal vai acontecer. Eu tenho a minhas dúvidas, pois a ideologia neoliberal e a dominação algorítmica não se vencem com duas tretas.