492 - Pérolas e Diamantes: A benevolente tirania das democracias
A velha luta de classes foi substituída por uma outra bem mais parva: a luta da classe política contra tudo o resto. A classe política, enquanto tal, tornou-se demasiado reverente perante o dinheiro.
Quando a política é uma piada, o que faz sentido é ser comediante.
Eu conto uma piada. Um homem vai ao médico porque anda deprimido. A vida não está fácil. A vida é cruel. E dura. Sente-se só no mundo. O futuro parece-lhe vago e indefinido. O médico olha para ele com ar sorridente e diz-lhe que o tratamento é simples. Como na cidade está um bom circo, recomenda-lhe que vá ver o palhaço Patraquim. Ao ouvir isto, o homem desfaz-se em lágrimas e diz: “Doutor, eu sou o palhaço Patraquim.”
Os mais céticos acham que as pessoas não leem nada, não pensam em nada e não sentem nada. Eu considero que os céticos são uns exagerados, pois é bom de ver que as pessoas não leem quase nada, não pensam em quase nada e não sentem quase nada, a não ser uma fome endémica por um leitãozinho da Bairrada, o que é um indicador da possibilidade de os seus filhos nascerem autistas, hiperativos ou simplesmente insensatos.
Está claro que esta espécie de voz enfática é manifestamente exagerada.
A grandeza gosta de gabar-se até das suas próprias ruínas. Da pobreza, nem as cinzas se lhe aproveitam. Já a classe média aquece-se, quando pode, no morno calor do borralho.
Conversa-se sobre bagatelas e fazem-se afirmações em que não se acredita. Tudo isso nos faz perder o discernimento. Depois aceitamos tudo como um facto consumado.
A velhice permite-nos adquirir a capacidade de nos apoderarmos da experiência e modelá-la a uma nova luz.
As pessoas que fazem as leis nunca as elaboram com a intenção de elas poderem proceder contra os seus interesses.
A verdade é que a benevolente tirania das democracias parece ter um prazo de validade limitado.
Na democracia aconteceu que muitas pessoas com interesse passaram a pessoas interessadas e de pessoas interessadas transformaram-se em pessoas sem interesse. É por isso que a política é uma espécie de jogo das cadeiras.
A verdade é que os cavaleiros democráticos, montados nos seus cavalos flamejantes prontos a repor a verdade com a espada da justiça social, foi chão que deu uvas. Já ninguém acredita em tais histórias.
A verdade é que nesta história da democracia liberal tipo século XXI tudo está tão baralhado que já não se distinguem as personagens umas das outras e a ação acaba sempre por se basear no roubo, na mentira e na extorsão. Nem os argumentos da Walt Disney eram tão fracos.
A verdade é que a biografia dos estadistas atuais é de tal maneira desinteressante que vai ser difícil arranjar quem as escreva sem cair no ridículo ou ficar deprimido.
A verdade é que a nossa sociedade de informação transformou os cidadãos em gente sem personalidade, todos iguais, com a mesma voz, a mesma maneira de falar, os mesmos gostos, a mesma opinião.
Existe uma espécie de dissociação trabalhada. Hoje gostamos de tudo e não gostamos de nada. Quanto mais conhecemos os outros, menos nos conhecemos a nós próprios.
Dizemos respeitar os processos políticos mas perdemos as nossas opiniões políticas. Rezamos sem acreditar. Subordinamo-nos ao trabalho, negando muitas das vezes o nosso caráter, o que implica a negação da nossa consciência. Lidamos com o subterfúgio e a ocultação como se estivéssemos num videojogo.
Agora só há narrativas. Ninguém estabelece compromissos.
Mas tem de se voltar à fidelidade, aos princípios e aos valores. A palavra dada por cada um tem de ser assumida, valorizada e respeitada.
Dizem-nos que cada vez somos mais livres, mas a verdade é que cada vez temos menos direitos.
A Democracia não é um fenómeno teológico. Não depende da fé, mas da vontade dos homens e das mulheres.
Numa Democracia não pode haver exceções à regra. Mas a verdade é que elas existem. E em tal quantidade que a regra é que é uma exceção afrodisíaca.
A tal robustez democrática, de que nos falam os nossos queridos líderes, é feita à base de esteroides.
Com todo este exercício físico democrático deixámos praticamente de pensar e apenas contamos os dias que faltam para o fim do mês. Ou cogitar no crédito e na poupança possível que nos permita ir de férias para Varadero.