505 - Pérolas e Diamantes: Mergulhos e suplementos
O verão é uma estação boa para uma pessoa se refrescar. Principalmente para aqueles que possuem uma piscina particular, como é o caso do vizinho que vive do outro lado da estrada. É um regalo ver mergulhar toda a família nas águas azuis, incluído o cão.
Eu observo a animação do alto da varanda do meu apartamento enquanto bebo uma mini. Cada um refresca-se com o que pode. Depois ponho-me a ler o jornal “Dinheiro Vivo”, para me entreter.
Fico a saber aquilo que já sabia: que o risco de austeridade depende de como a economia evoluir e que Portugal volta a divergir da Europa. Apenas uma notícia me surpreende: Marta a suceder a Paula, iniciando assim o novo ciclo no império Amorim. Para ser verdadeiro, é essa notícia e o mergulho acrobático do cão na piscina do vizinho, do outro lado da estrada.
Passo então ao suplemento de economia do Expresso, jornal com outro peso e dimensão bem mais avantajada. Fixo-me na entrevista de Manuel Carvalho da Silva (antigo secretário-geral da CGTP), agora coordenador do Laboratório Colaborativo para o Trabalho, Emprego e Proteção Social – CoLABOR.
Fico a saber que MCS dedica muito do seu precioso tempo a cogitar sobre o impacto da crise no mundo do trabalho. Tendo, por isso, decidido escrever um livro intitulado “Pensar o Futuro – Portugal e o Mundo depois da Covid-19”.
Na sua douta opinião, as mudanças que se estão a desenhar no mundo do trabalho decorrem de múltiplos fatores, dado virmos de um percurso de “financeirização da economia e de mercantilização do trabalho”.
Além de virmos de “um tempo de cadeias de valor formadas por subcontratações, em que a organização do trabalho é bombardeada por dinâmicas que formam uma harmonização do retrocesso”.
A verdade é que estou um pouco baralhado com o linguajar sociológico do senhor Manuel. Mas reconheço que ter ido estudar para a universidade lhe deu músculo argumentativo e estatuto social avantajado.
Do outro lado da estrada, desta vez é o vizinho que mergulha o seu avantajado peso nas águas calmas da piscina. O cão põe-se a ladrar e um menino pequeno começa a chorar depois de ter sido surpreendido por uma onda de água que saiu inteirinha da piscina. A avó abre os braços de aflição, a mãe corre em socorro do seu rebento, enquanto o pai da criança sorri e continua a beber o seu gim tónico como se nada fosse com ele. O avô, atrapalhado com a agitação da água, dá umas braçadas para disfarçar o incómodo. O cão continua a ladrar. E o menino a chorar.
Peço mais uma mini à Luzia, mas depois lembro-me que estou sozinho em casa. Levanto-me com algum esforço, devido à minha eterna dor na coluna, e vou eu próprio servir-me. Opto então por uma Corona, por causa das coisas. Enfio-lhe pelo gargalo um rodela de lima e dou uma golada das boas.
Volto à minha cadeira, parecida com a do Dr. Salazar, e regresso à entrevista do camarada MCS.
“A lógica de ver o futuro sem sair daquilo que é dominante e mainstream, considerando que as opiniões dos que estão nas margens são opiniões radicais que não importa ter em conta, ou é posta de lado ou o desastre vai ser ainda maior.”
Mais uma golada na cerveja. “Isto até faz algum sentido”, penso enquanto bebo mais um pouco de cerveja, por puro desfastio. Adoro desenfastiar-me com coisas destas.
Na piscina iniciou-se uma pequena discussão em família. O pai do menino continua a beber o gim como se não fosse nada com ele. O cão deixou de ladrar. Deitado na relva, observa a cena com as orelhas em riste.
Eu, à falta de piscina, mergulho de novo na entrevista: “Não quero ser catastrofista, mas temos de começar a encarar as soluções passo a passo. Temos milhares de empresas em coma. Muitas empresas, se quiserem sobreviver, vão ter de funcionar durante muito tempo dando prejuízo.”
Reparo que na piscina apenas resta o cão acorrentado ao guarda-sol. Olho então lá para longe, lá para bem longe e pisco os olhos. Sinto que vou adormecer. Pronto, adormeci.
PS – A CoLABOR tem como objetivos: Mobilizar e expandir conhecimentos, capacitar a administração pública e qualificar o emprego. Órgãos sociais – Direção: Manuel Carvalho da Silva (Diretor – CES), José Côrte Real (Subdiretor – SONAE), Henrique Rodrigues (Vogal – CNIS), Pedro Adão e Silva (Vogal – ISCTE-IUL), André Marçalo (Vogal – IDEFF); Mesa Assembleia Geral: Rui Pedroso (Presidente – MOTA-ENGIL), Eduardo Paz Ferreira (Secretário – IDEFF), Isabel Raminhas (Secretário – Delta); Conselho Fiscal: Carlos Augusto Clamote (Presidente – Santa Casa da Misericórdia de Lisboa), Rui Pedroto (Vogal – MOTA-ENGIL), Sílvia Nabeiro (Vogal – Delta Cafés).