532 - Pérolas e Diamantes: Estamos quase...
Estamos a chegar à zona do quase.
Este pensamento tão profundo fez-me lembrar aquela história do judeu que pede ao filho para ir a casa do vizinho pedir um martelo. Ele vai e volta dizendo ao pai que o vizinho não tem martelo. Então o pai diz: “Olha, então vai buscar o nosso.”
Os antigos diziam que avistar uma pega isolada dava azar, duas pegas invocavam mau olhado para quem as via e três pegas anunciavam coisa boa. Já ver muitas pegas juntas era a sorte grande a bater à porta.
Mas agora é muito raro avistar pegas.
Antigamente, quando uma casa tinha almas do outro mundo dentro ninguém lhe passava ao pé. Agora são até capazes de fazerem visitas guiadas para ganharem uns trocados. É a nossa vocação turística. A nova gente gosta de sentir arrepios e comichões a subir-lhe pela espinha.
É mau princípio metermo-nos na vida dos outros e indispor as almas. O respeitinho é muito bonito. Com as insónias morre-se cedo.
Esta gente é bem capaz de construir vedações com as pedras dos nossos antepassados. Isto é como na guerra: quantos menos forem atingidos, mais escapam. A verdade é que não há ninguém que lhes dê tino.
Fenómenos! Quando menos se espera, esta gente boa e obediente perde as estribeiras e deixa de escutar o fim das conversas. Lá diz a autoridade: mais vale cumprir a lei que sofrer as suas consequências.
Os mais velhos arreceiam-se com o nervoso. Por isso tendem a ser mais conservadores. E também mais conversadores.
Bem sofremos na época do Prestes João. Mas esses eram tempos de valentia. Aguentava-se muito. Pensava-se que do alto da Torre de Belém se podia conduzir os destinos do mundo. “Acima, acima gajeiro, acima ao tope real! Olha se vês minhas terras, ou reinos de Portugal.”
Que raio de mania pensar que com desinfetar as pedras das torres se acaba com as almas do outro mundo.
Há sempre que cear bem, comer mimos, mesmo quando se anda aflito. Ninguém sabe o dia de amanhã.
Mas nós até gostamos daquilo que gostamos. Quem corre por gosto não se extenua. A verdade é que uns são não sei quê e outros são não sei quantos. E daqui não saímos. As exceções são poucas.
E também existe a arte e os verdadeiros artistas. Brincadeiras à parte, Churchill disse uma coisa que me ficou: “Sem tradição, a arte é um retalho de ovelhas sem pastor. Sem inovação, é um cadáver.”
Por isso é que a minha escrita é um pouco fora da caixa. Até por causa das merdas.
Gosto mais de acreditar que as pessoas que falam mal o fazem por estarem confusas ou mal informadas. A vida política e partidária, especialmente ao nível autárquico, está reduzida a uma espécie de quermesse de aldeia. E a culpa é de todos nós.
Convenhamos que certa intelligentsia portuguesa está bem longe de ser inteligente.
Jorge Calado escreveu algures que sendo o belo e o sublime conceitos de sinal contrário e mutuamente exclusivos, o primeiro acalma enquanto o segundo excita. O resto fica ao critério de vossas excelências.
Isto é como quem se confessa, a esquerda portuguesa é tão ignorante como a direita lusa. O busílis da questão não está nesses estereótipos bidimensionais. O nosso grande problema reside na ignorância encapotada e na falta de cultura.
Muito provavelmente Amália Rodrigues teve razão quando afirmou que a política era semelhante a uma estrada. “A gente vai para lá e vai pela direita, vem para cá e vem pela esquerda.”
Por cá, a política deixou de estar – se alguma vez esteve – nas mãos de gente com preparação social, económica e cultural, passando diretamente para as mãos de simpatizantes, de amadores que seguem a espuma dos dias e o tweets, enchendo o mundo de mensagens fáceis e questões ridículas.
Restam apenas os lugares comuns e os discursos políticos que são verdadeiros insultos à inteligência dos cidadãos.
O humanismo, a história, a filosofia, a verdadeira cultura, a razão, o pensamento, a lógica e a ciência são encaradas como injeções de penicilina.
O sectarismo é uma coisa detestável e em tudo distinta do apego humano às convicções.
Não vale a pena sermos muito fieis às nossas ilusões pois elas são as primeiras a trair-nos.