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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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12
Abr21

535 - Pérolas e Diamantes: Os nossos grandes traços civilizacionais

João Madureira

Apresentação3-2.jpg

 

O pai de Charles Darwin bem o avisou de que havia de ser uma desgraça para si e para a sua família.

 

Ele, pelo sim pelo não, nos finais de 1831 foi-se embora. Apenas regressou a Londres passados  cinco anos, pelo meio entreteve-se a navegar pelo Sul da América, pelas ilhas Galápagos e por outras paragens. Trouxe consigo três tartarugas gigantes. Uma delas morreu apenas em 2007, num jardim zoológico da Austrália.

 

Dizem que voltou mudado. O pai disse-lhe que o seu crânio tinha agora outra forma.

 

Começou então a fazer perguntas a si próprio. Para lhes responder, escreveu um livro explosivo sobre a origem das espécies e a evolução da vida no mundo.

 

Darwin revelou que, afinal, Deus não tinha criado o mundo numa semana, nem nos tinha moldado à sua imagem e semelhança.

 

Ora, tal notícia, apesar de verdadeira, não foi bem recebida. Quem é que ele se julgava para corrigir a Bíblia?

 

O bispo de Oxford, armado em engraçado, questionava os leitores de Darwin se descendiam do macaco por parte da avó ou do avô.

 

Darwin revelou-nos que somos primos do macaco, não dos querubins, que os nossos antepassados vieram da selva africana e que nenhuma cegonha nos trouxera de Paris.

 

A verdade é que os seres humanos têm uma costela de Deus e outra do Diabo. Somos exterminadores, caçadores, criadores de bombas, capazes de vender ou alugar os nossos semelhantes, envenenar o ar, a terra e as águas, de matar por prazer, de torturar, de violar... e também de rir, de sonhar, de criar beleza, palavras e música. E de ter memória.

 

Na partilha de África, o rei Leopoldo da Bélgica recebeu o Congo como propriedade privada. Através do massacre de elefantes, este rei dos francos transformou a sua colónia na mais pródiga fonte de marfim. Aproveitando a sua tarefa civilizadora, mandou também chicotear e mutilar negros que trabalhavam como escravos para fornecerem a borracha barata e em abundância para as rodas dos automóveis que começavam a cruzar as estradas da velha Europa.

 

Os nossos grandes traços civilizacionais já vêm de longe. E foram até longe.

 

Em 1990, ano da independência da Namíbia, a principal avenida da capital, chamada Goring, continuou a manter o seu nome. Mas não foi, como podemos ser levados a pensar, em honra de Hermann, o célebre nazi, mas em homenagem ao seu pai, Heinrich Goring, um dos autores do primeiro genocídio do século XX.

 

O velho Goring era representante do império alemão nesse país africano. Foi ele quem teve a bondade de confirmar a ordem de execução determinada pelo general Lothar von Trotta, em 1904.

 

Os pastores negros, conhecidos como os hereros, revoltaram-se. As autoridades coloniais, postas perante a desobediência, resolveram expulsá-los a todos, avisando-os que matariam qualquer herero que encontrassem na Namíbia: crianças, mulheres ou homens armados ou desarmados.

 

Na contenda morreram três em cada quatro hereros. Ou abatidos pelos canhões ou pelo sol do deserto, para onde foram desterrados.

 

Os que sobreviveram à carnificina, acabaram nos campos de concentração que Goring organizou. Foi nessa altura pronunciada pela primeira vez a palavra Konzentrationslager.

 

Esses campos, inspirados nos antecedentes britânicos na África do Sul, eram multiusos, combinando a prisão, o trabalho forçado e as experiências científicas. Os prisioneiros, extenuados pelo trabalho nas minas de ouro e de diamantes, eram também cobaias humanas na investigação das raças inferiores. Nesses laboratórios trabalhavam Theodor Mollison e Eugen Fischer, mestres de Joseph Mengele.

 

Mengele, a partir de 1933, pôde desenvolver o que aprendera com eles. Foi nesse ano que Goring fundou os primeiros campos de concentração na Alemanha, seguindo o modelo que o seu querido e estimado pai tinha testado em África.

 

Razão tinha o jovem Winston Churchill quando, depois de as tropas britânicas bombardearem a cidade de Omdurman, escreveu que esse foi “o triunfo mais eloquente jamais alcançado pelas armas da ciência contra as armas da barbárie”, contra o “exército selvagem mais poderoso e mais bem armado alguma vez amotinado contra um moderno poder europeu”.

 

Os dados oficiais registaram cerca de dois por cento de baixas nas tropas civilizadas e cerca de noventa e oito por cento nas tropas dos negros selvagens.

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