542 - Pérolas e Diamantes: O sonho dos lobos
No poder, e na corte que o rodeia, nunca se é verdadeiramente sincero. Até porque se pode ser senhor de muitas terras, mas nunca de todas as terras.
O poder, aparentando ser forte, é essencialmente uma coisas de fracos, devido ao caráter reservado, cauteloso e enigmático.
O problema da república é que qualquer homem com bens se julga um rei.
A verdade é que os líderes democráticos até se julgam sérios, honestos e resolutos. Eu acredito que eles pensam que sim. Mas em assuntos de política as suas convicções contam pouco mais que nada.
O que não fazes nunca pode estar inteiramente errado. Os bons aliados são os fracos. Os aliados fortes são concorrentes. Por essa razão é que a religião é sempre o melhor dos aliados do Poder.
Está na altura de voltarmos à política a retalho. À política tradicional. A política das grandes superfícies deu nos Sócrates e nos populistas de direita.
Uma coisa vos digo, porque a aprendi à custa da observação atenta, um medíocre é sempre o mais sincero elemento de um partido, pois ninguém mais do que ele possui a consideração pelo poder. São esses os fadados para a popularidade. Esses homens, ou mulheres, de prerrogativas querem iludir-se, e iludir-nos, de que estamos sempre entre iguais.
Gosto de os ouvir manifestar-se espetacularmente sobre todas as causas institucionalizadas e vigentes. Apesar de ignorarem profundamente o povo, fazem-se seus heróis. A sua vileza é lenta e astuciosa. Gostam de beber champanhe pela taça de prata que os artistas antigos usavam para pintar a cena do Santo Graal, porém desconhecem que a genuína era feita de madeira, pois José de Nazaré era carpinteiro e não ourives.
São aqueles que depois de fazer brinde aos reis vão urinar nos vasos das flores dos corredores ou das varandas. À falta de mais vinho, ou conveniência, limitam-se a bochechar com o resto da bebida e a engoli-la.
O champanhe é bom para as senhoras e o conhaque recomenda-se aos cavalheiros.
A paixão dos políticos é sempre uma genial e sincera simulação. Gabo-lhes o gosto. E a desfaçatez.
A maioria da nossa classe política – sobretudo a denominada como do arco da governação, que mais do que nos governar, se governa – são como os antigos barqueiros do porto fluvial de Pataligama, célebres não só pela sua falta de habilidade como também pelo prazer de provocar desastres de toda a ordem.
Havia por aqueles sítios um bando considerado em toda a Índia porque dele não podia fazer parte quem não fosse filho legítimo, há três gerações, de um membro da guilda de ladrões. O latrocínio era tão lucrativo que esta guilda especial não queria que um negócio tão antigo fosse estragado por amadores.
Aprendia-se na altura que o povo pode não ser manipulável assim tão facilmente pelos demagogos, mas é suscetível ao suborno.
Antigamente o roubo era lento e imbuído de um certo cerimonial, hoje em dia rouba-se com mais pressa que dignidade.
No poder político triunfam os que melhor conseguem pôr e tirar a máscara sem se rirem.
Quando alguém usa máscara durante muito tempo acaba por ficar parecido com ela.
Muito tempo no poder transforma as pessoas. Acontece-lhes o mesmo que às folhas de outono, passam do vermelho forte ao ouro baço. A metáfora é ilustrativa por si só. E se não o for, paciência.
Os lobos sonham sempre com ovelhas.
Com a idade aprendemos que ouvir e escutar são coisas diferentes. Os homens sábios que nos ensinam são como a luz do sol num lugar escuro.
Um velho provérbio diz que um nobre persa não pode mentir mesmo quando mente. Ai a dor que isso provoca em quem tem de escutar as suas mentiras! As dores e os dilemas.
A verdade é que os amigos de infância se podem tornar nos nossos piores inimigos.
Os reis persas diziam que a sabedoria do governo estava na utilização da natureza humana. Dado que os homens têm as suas simpatias e as suas antipatias, podem controlar-se com recompensas e castigos, que são as alavancas por intermédio das quais o governante mantém a sua supremacia.
Temos que ser uns pelos outros.
Aprendi que na política nada do que se diz quer dizer bem o que parece. Só que foi tarde demais. Daí o meu engano. Aprendi sempre aquilo que não devia.
Mas quem não deve não teme.