545 - Pérolas e Diamantes: As coisas pequenas
Dizem, e eu quero acreditar, que pequenas discrepâncias não se transformam em grandes diferenças e que pequenos desvios da verdade não representam o caminho para a mentira.
Dizem também que a democracia portuguesa está estabilizada. Eu desconfio porque se verdadeiramente o estivesse a maioria dos eleitos para os diversos cargos políticos não o teriam sido. São as circunstâncias que permitem a eleição dos pequenos caciques. E até dos grandes.
Os pequenos delitos não são grandes crimes, nem os pequenos furtos são roubo qualificado, nem as pequenas traições são alta traição, mas é sempre por aí que se começa. Pelas coisas pequenas.
Por alguma coisa será que à medida que os recursos sobem, os problemas também crescem. Os responsáveis são as multinacionais poderosas, os seus lóbis e também os corruptos que enxameiam as estruturas intermédias de poder. Os chamados facilitadores.
Nós, apesar de sermos constantemente traídos nas nossas expectativas pelos propaladores do desenvolvimento e do progresso e da igualdade e da fraternidade, temos a habilidade para nos enganarmos a nós próprios a fim de preservarmos uma réstia de confiança.
Apesar das traições, asseguram-nos que estão a agir bem. E que as suas ações são no interesse de todos nós. Querem salvar-nos de nós próprios, porque, afinal, nós é que somos os traidores.
Ainda me quero sentir de esquerda, mas a sua retórica há de acabar por matá-la. Os protestos literários contra os novos ditadores são ridículos. Risíveis. Burgueses.
Quero crer que não foi em vão que usámos o cabelo comprido, calças à boca de sino feitas de veludo insipiente e camisas roxas. Mas a verdade é que quem lê o Tintim e o Tio Patinhas nunca pode vir a ser um verdadeiro marxista.
Vi tantas vezes a verdade a ser invertida que já não acredito nela. Cada homem tem o seu Graal. A verdade é que temos que corrigir a nossa mente, pois a falha encontra-se na realidade.
Para uns, a lei é a lei. Para outros a lei não passa de uma chatice. São sempre os segundos aqueles que enriquecem. Muitas vezes fazendo os primeiros cumprir a lei.
A melhor revolução é sempre aquela que está para vir. Ou para ir embora. A minha indignação é canónica.
A minha indignação não necessita de favorzinhos. Era o que mais faltava.
Sempre me disseram que a razão é sempre um obstáculo. Sobretudo a minha, porque obstinada.
Até as revoluções têm o seu próprio folclore. O heroísmo é uma convulsão patética.
É triste assistir à pequenez circunstancial que envolve a política atual. A realidade passou a ser muito instável. O problema é quando atinge o ponto de rutura.
Vivemos num país onde os rufiões, os intrujões e os presunçosos se dão bem, ao passo que a gente boa, honesta e decente se costuma lixar. Os pessimistas dizem que sempre assim foi sempre assim será. Os outros encolhem os ombros e sorriem enquanto dizem que a esperança é a última a morrer. Mas todos necessitamos mais do que esperança.
O político virtuoso é aquele que é capaz de adquirir poder sem reprimir os outros, mas elevando-os.
Estamos constantemente a esbarrar com políticos, burocratas e diretores-executivos distantes que, apesar de terem o poder de melhorar as coisas, fazem precisamente o contrário.
Mais do que confiar nos seus líderes eleitos, as pessoas necessitam de confiar umas nas outras e em si próprias.
Apesar de alguns triunfos, há ainda demasiado fracasso e carência à nossa volta. Há por aí muito egoísmo e muita gente simplesmente ignorante. Abunda na política gente que está disposta a tudo pelo poder. Por isso só pensa em si mesma. E eu não tenho a certeza de que alguma vez venhamos a mudar isso.
É avisado desconfiar daqueles que pensam ter feijões mágicos no bolso. São muito parecidos com agentes de seguros que nos tentam vender apólices de vida pelo telefone.
Não nos devemos opor a todas as guerras, mas sobretudo às guerras estúpidas. A vitória da verdade e da honestidade nunca dispõe dos luxos para a celebração. Tem de se agarrar ao esforço e continuar.
A audácia é o que nos mantém a esperança.
Há demasiadas coisas em aberto para as feridas poderem cicatrizar.
A memória das fraturas expostas é ainda muito dolorosa.