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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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02
Ago21

551 - Pérolas e Diamantes: O velho e o novo paradigma cultural

João Madureira

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Vivemos o tempo onde as figuras que fazem a mediocridade são as que levam vantagem. E elas rompem por todos os lados. Propagam-se como baratas. O espaço público é hoje uma harmoniosa cacofonia. Um território de gargalhadas estridentes, de gritos agudos, de gestos dramáticos, de piadas repetitivas, de opiniões categóricas infetadas de Pachecos Pereiras, Lobos Xavieres, Claras Ferreiras Alves, Ricardos Araújos Pereiras, Paulos Portas, Louçãs, Marques Mendes, Josés Gomes Ferreiras, Miguéis Sousas Tavares, etc. Vivemos entre a vulgaridade e o mais puro narcisismo. Hoje mostra-se tudo o que antigamente se escondia. Ou se tinha em bom recato: o sono, as refeições, os namoros, os animais, a família, as casas. No mundo de hoje tudo se compra ou falsifica: a imagem, a carreira, a moral, o êxito, a felicidade e até a fé. Ninguém sabe bem como chegaram ao topo da pirâmide. E ainda menos se percebe que os mais altos dignatários do Estado andem a correr atrás deles e sejam até seus cúmplices. Alguns até lhes prestam vassalagem. Mandam mais os bobos que o próprio rei. O desejo de receber popularidade de quem é popular é quase um espetáculo obsceno. A popularidade sem sabedoria e prestígio é ridícula. Esta cultura de massas nivelou a sociedade tão por baixo que acabou com a separação entre alta cultura e baixa cultura. Dizem que esse é o novo conceito democrático e igualitário. O novo paradigma. Provavelmente sim, é. Já não há elites. Apenas existe o povo. Trocamos a superioridade pela inferioridade, a grandeza pela pequenez, e a glória pela vulgaridade. Antigamente a celebridade visava sobretudo a grandeza, a de agora contenta-se com a fama. Não vá o sapateiro além da chinela. O verdadeiro herói de agora é o homem ordinário. A celebridade baseia-se na aparência, em ser-se uma criatura vazia e sem consistência. Apenas brilha nos ecrãs, iluminada pelo que a consome. O conteúdo deixou de ter importância. A quase totalidade das celebridades não sabe por que razão ascendeu a esse estatuto. É célebre porque sim. Os grandes homens que outrora admirávamos eram aqueles que contribuíam para preencher a nossa angústia existencial, os que incarnavam os grandes ideais políticos, estéticos, científicos, literários ou musicais. Ou seja, aqueles que davam algum sentido à vida. Os de agora são como balões de hélio que, de tanto subirem no ar, desaparecem lá nas alturas sem deixarem rasto ou saudades. E nenhum exemplo. São a fascinação pelo nada. H. M. Enzensberger, no seu livro “Mediocridade e Loucura”, falou na morte da literatura e, honra lhe seja feita, nomeou os seus assassinos. E, por incrível que pareça, não são os denominados “analfabetos primários”, os quais até lhe merecem um elogio, pois, apesar de não saberem ler nem escrever, possuem uma sabedoria ancestral. Neles, com a transmissão oral que asseguram, está a origem da literatura. Os assassinos são os “analfabetos secundários” que, apesar de saberem ler e escrever (embora com erros), estão reduzidos à imitação da linguagem dos meios de comunicação de massas. Apesar de se desconhecerem como tal, constituem uma espécie de plebe audiovisual. Os seus herdeiros são o que atualmente podemos denominar como plebe audiovisual-digital, ou “analfabetos terciários”, pois, apesar de serem tecnologicamente aptos e velozes, infoincluídos e conetados, informados e poliglotas, conhecedores de todas as novidades, gadgets, ferramentas e atualidades tecnológicas, fazem de todo esse conhecimento uma incultura e as suas atitudes pertencem ao mundo onde “tudo se passa e tudo passa”, nada dele ficando, onde tudo se possui, nada se tem e ninguém é. Apesar de terem imensas qualidades, são pessoas sem qualidade. Esse conhecimento não lhes deu sabedoria. Essa nova plebe audiovisual digital é o proletariado que serve a fama e os famosos. Vendem-lhes a força do seu trabalho de veneração e os famosos ficam com a mais-valia. O nosso tempo é composto por fragmentos e um nexo contínuo de descontinuidades. Criou-se um novo síndrome: o do horror ao anonimato. Neste nosso tempo já não existe tempo para a metafísica, para a estética e, sobretudo, para a ética.

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