Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

23
Ago21

554 - Pérolas e Diamantes: Nós, por cá (em duas versões)

João Madureira

Apresentação3-2 - cópia 2.jpg

 

 

Versão simpática: Apesar deste clima um pouco destemperado, a nossa cidade é quase como um conto de fadas. E evidencia quase todas as vantagens da nossa democracia. É linda. É limpa. É moderna. É rica. E é incrivelmente tentadora. Com lindos monumentos e oportunidades avassaladoras. Nós, as suas gentes, mesmo não parecendo, somos alegres, vivos e cultos. Por aqui até há poucos polícias. E muitas moradias. E extensos jardins. E centros desportivos. E clubes sociais. Também por cá existem bons motivos para se viajar. E as liberdades resistem ao doutrinamento. O senhor presidente é um homem encantador e consciencioso que apenas pode ser substituído por outro autarca consciencioso e encantador. Por aqui – a existirem, o que duvidamos – não nos apercebemos dos subalternos incompetentes, preguiçosos ou corruptos. Nós, por cá, somos muito imaginativos: inventamos interações, relatórios, contas e ajudas de custo. Aprendemos com os espiões soviéticos que quando se deixa debaixo de um banco de jardim uma casca de laranja significa que estamos em perigo e que se abandonamos lá por perto um caroço de maçã queremos assinalar que permanecemos em perigo e vamos sair da cidade. Ou mesmo do país. É claro que, por vezes, as combinações se tornam muito complexas, e transformam-se em verdadeiras farsas. Não sabemos bem se são eles a recrutar os nossos ou se os nossos é que estão a recrutar os deles. Claro que também há aqueles parvos de serviço para os quais não importa a vitória, mas apenas jogar o jogo. O problema é que por aqui há pouca gente a admirar Bach ou Haydn. As nossas petites elites gostam das viagens de recreio em Benidorm, compras no Corte Inglês e acumular o máximo de bens materiais. Sobretudo obras de arte, que, por incrível que pareça, costumam escapar às inspeções das Finanças. Um Nadir Afonso ou um escultura do Cargaleiro é fortuna acumulada. Ou em acumulação. Claro que não gostam dessas obras de arte esquisitas, preferem meninos a chorar grossas lágrimas, mas apenas os primeiros é que são considerados obras de arte e, por isso, são valiosos. Apenas por isso. Nós, por cá, continuamos apaixonados pelo nosso povo, pelos parques, pela procissões dos dias santos e feriados, pela palavra liberdade e pelos direitos adquiridos. Nós, mês sim, mês não, desabrochamos como seres humanos. E logo no meio de tanta beleza, tanta música, tanta alegria e tanta educação. Claro que existem também elementos ilusórios, mas são, quase sempre, produto de atividades particulares. Quando abrandamos o voo é para aterrar. Entretanto vamo-nos empanturrando de bolos e logo a seguir de corridas e caminhadas, muitas delas com coletes refletores e cajados de peregrinos. E partilhamos sorrisos e abraços.

Versão pouco simpática: Vivemos dentro de uma cacofonia democrática. Vivemos tempos intermédios e inconsequentes. O povo e a democracia vivem numa relação de conformismo, presos no seu cinzentismo. Somos pintassilgos que cantam como canários. Ensinaram-nos a ler a partitura errada. Uns são queridos e outros são uns merdas. Os primeiros descendem de poetas e aventureiros, pertencentes a uma linhagem que pertencia a outra. Agora estão tesos. Os outros esforçam-se por parecer muito mais estúpidos do que aquilo que são. Ambos parecem estar a regressar a casa sem nunca dela terem saído. Mas a realidade é sempre mais complicada do que a memória.  Viver na província é sempre arrebatador, porque é frustrante. Não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe. A verdade é que somos demasiado simpáticos para sermos abnegados, demasiado honestos para sermos subversivos e demasiado educados para dizermos aquilo que pensamos ou, simplesmente, dizermos que não. Há por aí espalhado muito falso espontâneo. Como diz Aníbal Leites, nenhum acaso acontece por acaso. E assim nasceu Portugal. Isto da política é como um jogo de adivinhação, uma coisa para amigos. E para amigos dos amigos. E para amigos dos amigos dos amigos. Quando se chega ao quarto nível tem de se parar, senão o estrado descamba. É claro que quem consegue enganar tanta gente tem de ter valor. Vai-se para a política por quatro motivos, que são iguais ao da espionagem e sintetizados pelo acrónimo MICE: Money, Ideology, Coercion, Ego (Dinheiro, Ideologia, Coerção e Ego). Claro que também há o romance e até outras fantasias, mas... por aqui nos ficamos.

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Pesquisar

blog-logo

Arquivo

    1. 2024
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2023
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2022
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2021
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2020
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2019
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2018
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2017
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2016
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2015
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2014
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2013
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2012
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2011
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2010
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2009
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2008
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2007
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2006
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2005
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D

A Li(n)gar