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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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30
Mai22

592 - Pérolas e Diamantes: Este é o catano...

João Madureira

Apresentação3-2 - cópia 6.jpg 

“Este é o Marcelo, catano…” “Não pai, este não é o Marcelo Caetano é o Marcelo Rebelo…” “Não, este é o Marcelo, catano… é ele, o troca-tintas… é ele a… é ele a…”

 

O pior é dizer a verdade. Mais vale que acreditemos numa fábula qualquer. O homem, este em particular, vê tudo a uma luz especial, que é aquela que o favorece, o justifica e a que mais lhe convém.

 

A mim parece-me sempre um daqueles comediantes antiquados que não fazem rir ninguém. A sua exagerada simpatia é, por vezes, compensada pelo comedimento em alguns pormenores. A sua bonomia tende a eternizar-se, daí a sua quase inutilidade.

 

De feições finas, sente-se, desde criança, como um principezinho, mas à medida que nos aproximamos apercebemo-nos que não passa de um homem banal. A importância do berço dilui-se com o passar do tempo.

 

Quando fala parece uma criança imaginativa a emular os filmes que viu e os romances que leu, beijando e acariciando as pessoas como se lhe fossem próximas. Por vezes também exibe alguns laivos de ironia. A sua personalidade tornou-se insuportavelmente volúvel. Ler depressa faz com que se interprete mal a mensagem.

 

Homens assim apenas são vencidos pela revelação negativa do negativo. São escorregadios e sem lealdades. E rápidos de conversa. Gostam de falar muito e ouvir pouco. Homens assim tratam até por você as crianças. Os novos queques populam à sua volta. Gente meio amaneirada e meia católica. Tudo boa gente.

 

A verdade é que se está um pouco nas tintas para tudo.

 

Por vezes, somos vítimas de nós mesmos, dos nossos estupores, dos nossos vazios, hábitos e lembranças.

 

A sobrevivência não é instrutiva, é apenas humilhante. No poder, a dignidade é a primeira coisa a desaparecer. Vai-se ficando um pouco mais fraco e perdendo as convicções. Capitular é fácil. A fraqueza não tem sabor. A idade faz amolecer e produz inibições momentâneas.

 

Não é forçoso ver o bem em toda a parte, quando o mal anda por aí espalhado como um vírus que não se vê a olho desarmado.

 

Mentiria se não admitisse que a felicidade de certas pessoas me dá prazer. Há gente que peca por otimismo nas suas apreciações. Esse é o meu caso. As mentiras fazem parte da ficção.

 

Os ogres costumam ser lascivos, pontapear cães e serem amigos dos burros que falam.

 

Ele é o vigilante do país, o homem a quem nada escapa, a não ser as armas roubadas em Tancos. Cala certas corrupções e vigarices para não causar males maiores.

 

É difícil contrariar as correntes de simpatia popular e a sua sugestão geral. Tudo o que não mata, engorda. Até eu engraço um bocadinho com o senhor. Tem jeito para pôr as pessoas do seu lado. É bom na pantomima protocolar. Passou a vida a exercitar-se em cair nas boas graças dos desconhecidos eleitores cuja confiança teve de conquistar. Aprendeu a contar piadas simpáticas e inofensivas sem se armar em engraçado, a expressar sorrisos acolhedores e abertos, a mostrar o olhar mais inocente possível e a prestar muita atenção, fingindo que lhe suscita um enorme interesse tudo aquilo que lhe dizem ou contam.

 

A verdade é que o outro do burro e do Ferrari também é simpático quanto baste.

 

Mas todos sabemos que ninguém é apenas aquilo que se vê. Há uns a quem isso ajuda. Há os outros que se queixam de que lhes faltam pergaminhos.

 

Vincam-se então as intrigas. Cruzam-se. E até aumenta temporariamente a fé. Deus serve a alguns para muita coisa, seja nas matinas, nas vésperas ou nas laudes.

 

O homem, este de que falamos, é comedido, não se incomoda, não se inquieta, não se acanha. É um lugar-comum humano, nesta nossa era da desumanização. Tem um olfato bem apurado para sentir o espírito dos tempos. É o sósia perfeito de Zelig, com o seu talento pessoal para o mimetismo, tentando agradar às pessoas de todos os setores da sociedade.

 

E o povo continua À Espera de Godot, na sua tragicomédia em dois atos, entre o voto e a expectativa, neste país do solidó.

 

O homem de quem se fala possui também uma aparência diáfana, o que o faz parecer um mecanismo simples. Provavelmente, tudo isso é premeditado. E estudado. Cada um é para o que nasce.

 

Quem engana e disfarça melhor é quem tem mais probabilidades de conseguir aquilo que quer e de se livrar dos escolhos.

 

Ninguém sabe ao certo quando alguém está a ser sincero ou a mentir. Há pessoas que acabam por se transformar nas suas máscaras e estas tornam-se o seu verdadeiro rosto.

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