Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

26
Set22

606 - Pérolas e Diamantes: O burro nas couves

João Madureira

Apresentação3-2 - cópia 7.jpg 

Neste mundo, os que se aventuram nas areias movediças da política, treinam-se sempre para ganhar. Não para competir. A sua genialidade é medíocre. Afeiçoam-se a isso, treinam a pose e o hábito da felicidade. Treinam a alma para as mentiras. Tentam evitar a euforia e o impulso vingativo, face aos rivais. Desviam a agressão para ganhar tempo. Quando fazem o juramento dizem sentir um impulso profundo para viver na virtude e no bem. As suas rebeliões de juventude esconderam sempre as incertezas. A estrada cansa. E os reflexos vão enfraquecendo. O amor pela verdade, quando se mastiga, tem sempre um travo azedo. A coerência não come com eles à mesa. Estas estrelas têm fraca intensidade. Quando querem proteger os milhais, levantam poeira e atiram pedras para longe. Normalmente, os pardais fogem por causa das sombras e do barulho. Depressa envelhecem expiando as suas cobardias. A confiança já não é o que era. A cintilação destes novos timoneiros é breve. Os militantes e simpatizantes, depois das campanhas eleitorais, só estorvam. Há sempre modos de fazer as coisas. A política está cheia de profissionais cínicos que não sabem fazer outra coisa. É tão bonito observar os gestos elegantes do nosso chanceler, o seu ar de George Clooney, e a sua condescendência estudada com que acompanha a mais simples das afirmações. Ele não sabe tudo, mas parece. Ele não diz tudo, mas parece. Que lindo o seu excesso de eficiência, a sua postura. É pena viver no interior, na periferia dos centros de poder e de decisão, senão outro galo cantaria. É tão difícil encontrar nos dias de hoje homens que entendam realmente os problemas mais técnicos da política! Os políticos persistentes discutem coisas sérias. E quando nos aborrecem não o fazem de propósito. A política, sobretudo a autárquica, é feita na base da rotina. E todo o homem, ou mulher, rotineiro desaprova os empreendimentos arrojados. Mas uma coisa confesso, dá gosto vê-los de óculos estilosos, traje à maneira, gravatas e outros acessórios dispensáveis, sorrisos engomados, modos compostos, iphones requintados e ar de padres a rezar a missa pascal. Alguns até esboçam um certo ar de arrependimento, mas é sol de pouca dura. A necessidade dos votos abre sempre a brecha por onde entra o fingimento. Mas nós tudo perdoamos. Faz parte da nossa maneira de ser. E de estar. Eles, que são mais novos do que nós, tratam-nos como se fôssemos seus filhos. E nós a fingir que não vemos os seus gestos nem ouvimos as suas palavras para não sermos indelicados. É melhor assim. Se estes se vão embora vêm outros ainda piores. E o respeitinho é sempre bonito. Vamos ter de os levar a sério. Também a estes porque os que vierem a seguir ainda vão ser piores. Então, mais respeitinho, pela bandeira nacional, pela bandeira do município, pelo presidente da República, pelo presidente da Câmara, pelos senhores ministros, pelos senhores vereadores e por tudo o que de bom acontece à nossa volta. Mesmo o que é mau e nos afeta a vida foi feito com a melhor das intenções. E por isso mesmo vamos fingir consideração, acatamento e deferência. Mas a verdade é que o respeitinho que nos exigem, e recomendam, também se vai esgotando. O certo é que pelo meio desta banalidade democrática feita de meias-verdades e meias-mentiras, cresce o tédio. Eles dizem o óbvio e nós temos paciência. Eles armam-se em heróis e nós temos paciência. Ter paciência é uma virtude. Os da nossa terra bem queriam ver a tão apregoada audácia, a tal determinação pessoal, o tal sentido de risco e o gosto de realizar, mas só nos sai inércia, distribuição seletiva de panelas de pressão e protecionismo. E ainda mais inércia. Nós, os ingénuos, até acreditámos que o relacionamento entre o poder político e económico, tinha abandonado a mancebia. Mas parece que nos enganámos, de novo. Claro que esta perspetiva também pode ser fruto da distorção provocada pela minha miopia que desfoca tudo o que está por perto. Eu até vejo bem ao longe, mas isso de pouco me serve. A verdade é que os homens e as mulheres até podem ser excelentes, mas os destinos são medíocres. E daí não saímos. Só agora compreendi o que um velho amigo meu me disse vai para uns dias: “Temos de novo o burro nas couves.”

Mais sobre mim

foto do autor

Sigam-me

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Pesquisar

blog-logo

Arquivo

    1. 2023
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2022
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2021
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2020
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2019
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2018
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2017
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2016
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2015
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2014
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2013
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2012
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2011
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2010
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2009
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2008
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2007
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2006
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2005
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D

A Li(n)gar