624 - Pérolas e Diamantes: Shots e submissões
O mundo está cheio de seres humanos que serviram um ideal e não o conseguiram alcançar. Repleto de pessoas que não conheceram o verdadeiro amor, fingindo habilidades e compaixão, esperando recompensa por proferirem palavras amáveis, desejando um pouco de companhia e até um orgasmo de vez em quando. Há pessoas que não se apercebem das coisas mesmo que estejam em frente delas. Por vezes forçam o amor, mas dessa maneira ele não se desenvolve. A muitas faltou-lhes uma guerra. Combater os outros em vez de dar porrada nos seus. De resto, até ganham o suficiente para serem razoavelmente felizes. As esposas exalam gemidos recriminatórios e escusam-se ao ato pretextando enxaqueca. Os maridos sonharam, por causa dos exemplos, serem pais para desancarem os filhos. Os bons exemplos devem repetir-se. Esse é o recurso educativo mais eficaz e mais simples. Não há nada melhor do que replicar os costumes antigos aprendidos na infância. Os filhos aderiram agora à moda das tatuagens, aos desenhos na pele. E o casal, quando se separa, a mãe fica com a vivenda e o filho e o pai com o carro e a cadela. E depois passam a jogar à defensiva. A gastar demasiada energia a fazerem mal um ao outro. Apesar de crentes, a religião quase não está presente em casa. Batizam os filhos e levam-nos à primeira comunhão apenas para cumprir com a tradição e com a formalidade, para agradarem aos avós e para evitarem situações discriminatórias na escola. Os rebentos passam o tempo a enviarem selfies uns aos outros, especialmente de estâncias balneares, com um sorriso rasgado no rosto como prova da sua felicidade. Muitos, sem nada para fazer, encafuam-se entre quatro paredes e desenvolvem, ou dão forma, à preguiça, ao tédio e à modorra. E também pedem emprestadas, uns aos outros, as expressões. Olham para os interlocutores, mas não os ouvem. São enfadonhos e gostam de se ouvir a falar com evidente prazer. Apesar dos seus discursos infantis, com raspas de erudição wikipediana. Admiram as coisas mas não sabem bem porquê. Nem quais são as tais coisas. Os anos passam, mas o tempo desperdiçado continua a gotejar nas suas vidas. O problema é quando o esforço e o entusiasmo não lhes servem para nada. Uma coisa sabem os pais, os filhos e os netos do Espírito Santo: apesar de preferirem declinar os pedidos dos seus superiores, são sugestionados a fazer as contas e a avaliar as consequências possíveis, concluindo, os arautos da desobediência surda e muda, que, obviamente, é mais vantajoso ceder. Todos têm de ganhar mérito, conseguir aceitação. Submeter-se. Estão, estamos todos, sempre a cair na armadilha social, estrangulando, silenciosamente, a nossa juventude e traindo os nossos ideais. É a modos como um parto com epidural. Ou cesariana. Os mais corajosos até recorrem às barrigas de aluguer. A maturidade consiste no supremo ato da resignação. Por causa das conveniências, a covardia vai-se transformando em hábito. Quando nos descuidamos, estamos a votar no tal partido que abominávamos. E então lá vamos bebendo o nosso gole diário de amargura. Os mais organizados guardam-se para os shots de fim de semana. Pensamos até dizer que amamos o próximo mais do que a nós mesmos, como nos ensinaram a avó, a mãe e a catequista divorciada que tinha um deficiente desempenho sexual, mas a timidez paralisa-nos. A timidez e o hábito. Nós temos vergonha de ser ternos. O melhor mesmo é ninguém se sentir culpado de ter desfrutado do seu orgasmo. Há mais orgasmos que chouriços. Há santos e pecadores em todo o lado. E também em todas as posições. É tudo uma questão de ritmo. Mas não nos devemos conformar. É sempre possível elevar o nível. Com a exigência surge a particularidade. A subtileza dos pormenores. E Deus, ao que dizem os sábios, está neles. E não devemos imitar a voz dos outros, pois pode sair-nos um gemido que nos pode comprometer. Os adultos não são anormais, mesmo que o possam parecer. Parece que agora, a linguagem do amor são poemas breves e trava-línguas. Há os adultos que são rápidos por causa do entendimento e os que são lentos porque percebem tudo. Mas uma coisa é melhor do que nada. E as duas juntas dão sentido à brincadeira.

