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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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17
Abr23

631 - Pérolas e Diamantes: O caráter e a função

João Madureira

Apresentação3-2 - cópia 4 (1).jpg 

A acumulação de informação não resulta em formação. Isso era o mundo perfeito ao nível da escola e mesmo da sociedade. Por vezes funciona exatamente em sentido contrário. Ou seja, não há mutação na qualidade.

Todos sabemos que desde que o mundo é mundo, as multidões gostam dos espetáculos de pão e circo.

Há quem passe a vida a levantar taças, mas não tenha conseguido sequer ganhar uma.

A cultura de massas está nas mãos de grupos de poder económico e nos grupos de poder político, até porque utilizam os mesmos meios para os fins de persuasão e domínio. Ou seja, a cultura de massas é um produto industrial, estando por isso sujeita a muitos dos condicionalismos típicos de qualquer atividade desse género.

O problema da cultura de massas reside no facto insofismável de ser manobrada por grupos económicos com fins lucrativos e realizada por executores especializados em fornecer às pessoas aquilo que elas querem, que é sempre o mesmo: telenovelas, concursos, frango de churrasco, febras e Quim Barreiros.

Aos proprietários de um jornal, de uma televisão ou de uma rádio, não lhes interessa a qualidade e a verdade dos conteúdos difundidos, o seu objetivo é vender sabonetes, carros, biquínis, políticos e comentaristas que são quase sempre a voz do dono. Não é por acaso que o melhor canal de televisão, a RTP2, tem audiências miseráveis. Não é por acaso que o jornal mais lido é o Correio da Manhã, que mais parece um panfleto de prisão ou o jornal de cordel de antigamente.

Todos gostamos de O Velho e o Mar, mas o que ele divulga são estilos e atitudes culturais já muito esvaziadas da sua força inicial. É o que se pode chamar a banalização da cultura dita de esquerda, da cumplicidade e da habituação aos cânones. É destinado ao bom leitor cheio de ilusões (desilusões?) tardias e banalizadas pela realidade. A realidade antiga já pertence ao armazém estético. Já está no baú do sótão. A complexidade já não é um estigma cultural nem a simplicidade um valor estrutural. Por incrível que possa parecer há jazz mau e boa música popular. E até existe melhor música gastronómica do que gastronomia musical.

O gosto coletivo absorve e explora todos os níveis culturais. Mas quem mexe nestas coisas não gosta de se comprometer. A descoberta, dizem, é puramente experimental. Os valores estéticos são esboços do possível. Há os que sempre nos querem servir a mediação e a tradução das obras de arte. Querem impor uma espécie de sensibilidade comum. Há relações culturais de vários géneros. Mas a cultura é uma só. A cultura não é sofrimento. É fruição.

A televisão, por exemplo, enche-nos todos os dias de uma falsa universalidade e de uma alegoria vazia. Vende-nos imagens de miséria, sofrimento e desespero intervaladas com hambúrgueres da MacDonald’s, desparasitantes para cães e o último grito em carros elétricos amigos do ambiente. Tudo simbólico, universal, patético.

É sempre fácil fazer uma crítica construtiva sobre os pontos fracos. O contrário é que é difícil, pois apenas está ao alcance dos políticos da oposição e dos banqueiros do regime. A crítica é feita em modo de banda-desenhada, com sorrisos e esgares desenhados com brush e base facial, balões, onomatopeias e teatro kabuki. Todas as metáforas são pagas a peso de ouro e as verdades verdadeiras a pataco. As verdades pedagógicas são ditas a soletrar, enquanto a espessura e a imperfeição da verdade têm de passar pelo passevite.

Agora somos todos avatares uns dos outros, estilizados, transpostos e banalizados. O público é um logro. E os tesouros verbais e discursivos estão verdadeiramente gastos e depauperados. O mau gosto tem uma estrutura tão elaborada que até parece o contrário.  

Querem-nos fazer crer que a dúvida é paradoxal e que as suas transfusões da verdade é que nos dão vida.

O que mais me indigna é que os seus aparentes artifícios retóricos simples veiculam um sistema de valores que, de facto, nada têm a ver com a modernidade que dizem querer construir.

A verdade é que as aparentes novidades estilísticas, verbais e discursivas, apenas servem para veicular conteúdos política e socialmente conformistas, o modernismo é retórico e apenas pretende ascender ou consolidar o poder. Esse discurso de rutura andou no seminário, passou pela maçonaria e acabará na opus dei.

O seu caráter é a sua função.

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