664 - Pérolas e Diamantes: Entre o bem e o mal
A natureza hoje vestiu-se de domingo, grossa e silenciosa. O bem e o mal não são o único método de viver. Tudo faz parte de um processo de aprendizagem. Não nos devemos perder na verdade, pois ela não depende nem do bem nem do mal. Apenas dela própria. O povo precisa de pão e circo, de conversas da treta, de Deus e do Demónio. Este povo é pobre até nos sorrisos, sempre de mãos postas, aos peidinhos circunspectos, para não se expor. Acha que a humildade tem de ser feita de gratidão e que as primaveras é que fazem andorinhas. E que os cucos são os outros. Os passarinhos cantam. E isso faz-nos estremecer de alegria. Talvez a vida seja assim, sempre um pouco cansada. Muito mais do que realização, escrever é uma tentativa, um prazer que se sente depois da tarefa concluída. Amar a Deus é como cair no nada. Este povo floresce à beira dos precipícios e depois cai por ali abaixo como a avó dentro da cabacinha. Apenas consegue medrar na adversidade e depois apaga-se como uma vela que arde até ao fim. A liberdade existe dentro de nós, pois não é possível comprá-la nem em supermercados ou mesmo no comércio local. O poder é sempre um obstáculo natural à informação e a apatia um inimigo permanente do desenvolvimento e da cultura. Bem, confesso, por vezes minto, mas não é por mal, e depois desminto, para me livrar de apuros. Também eu, agora, sou um respeitável oxímoro. Foi o que sempre desejei. E olhem que não é nada fácil. Claro que também desejei que me crescessem asas, mas esse é um desejo provavelmente irrealizável. Mais do que um veículo de ideias, sou um triciclo delas, de rabinho sentado e a dar aos pedais para quase não sair do lugar. Não sabemos sonhar sozinhos, falta-nos sempre a coragem. Nós andamos sempre a fazer de conta, a brincar com coisas sérias, a fazer que amamos e somos amados, ou melhor, a fazer de conta que amamos para sermos amados. A nós tudo nos apanha de surpresa, seja a chuva no inverno ou o sol no verão. E, apesar dos subsídios e dos rendimentos de inserção e doutros programas de distribuição de dinheiro às pinguinhas, continuamos pobres e a brincar à pobreza. E nós sempre a chegar… a lado nenhum. Mas, afinal, quem é que disse que devíamos chegar a algum lugar? O nosso destino é não chegarmos a lugar nenhum. Provavelmente, falar de coisas sérias é um pecado. O melhor mesmo é perdermo-nos na nostalgia da religião e dos velhos tempos. Isso sim, vale a pena. Os que jogam à direita, escondem a mão esquerda. E os que jogam à esquerda, escondem a mão direita. Eu prefiro jogar com as duas. A verdade é que tudo passa, tudo se fragmenta, tudo mói. Tudo cansa. A linguagem dicotómica é uma desgraça, não passa de uma linguagem de aparência. Continuo a acreditar na fraternidade, mas duvido tanto da reação como da revolução. Este é um país de ecos. Cheio de vazios e de milagres que são colocados nas azinheiras como prendas de Natal. Bolinha de sabão, sobe sobe pelo ar, não custa nem um tostão… A pátria une-se imaginando a forma dolorosa de ajudar, de ter esperança, de rezar. E de esperar. Sempre a aceitar as humilhações e a baixar a cabeça. Bolinha de sabão… sobe, sobe, balão sobe, vai dizer àquela estrela… já chega, porra, já chega… Aqui tudo se passa sem que nada de essencial se passe. Todas as dúvidas são resoluções e todas as certezas pueris. O povo tem o poder fátuo (viva a democracia) e o poder de facto está onde sempre esteve: nos partidos do sistema, no clero opalino, nos militares inócuos e nos ditos de abril, maio e junho, no empresariado farto e cheio, mas temente a Deus, não vá a religião ser coisa séria, na Opus Dei, que se farta de sofrer por puro sadomasoquismo físico e espiritual, e pela Maçonaria lusitana que é quase tão ridícula como as histórias do Tio Patinhas, incluído o avental minimalista, o olho traseiro do universo e o compasso de pedreiro que já tem mais ferrugem que metal. Com tudo isto visto e contado, o destino não consegue inclinar-se para lado nenhum. E não lhe podemos levar a mal. O bom povo português comove-se com a sua própria comoção. E eu também. Posso lá passar ao lado de tão forte chamamento. Em verdade, em verdade vos digo, a nossa democracia está paraplégica. O peditório para a compra de uma cadeira de rodas, com motor elétrico, já está na rua. Há que ser solidário. PS: Não vale introduzir na ranhura das caixas moedas de plástico para carrinhos dos hipermercados.