671 - Pérolas e Diamantes: Ai, ai, ai...
Com o barulho das luzes, como gostam de dizer os que se julgam engraçados, anda por aí muito homem gentil a espantar morcegos. Outros iluminam com as lanternas dos telemóveis o caminho das pedras. Agora é tudo mais forma que conteúdo. Este povo não gosta de teatro, mas deleita-se com a revista. Há lá coisa mais bonita do que os encontros lúdicos das corporações de bombeiros ou os campeonatos de sueca promovidos pelas juntas de freguesia ou pelas associações culturais e recreativas! Também não é à toa que somos um povo batido pela afeição de séculos e que o nosso rei-criança tem obrigatoriamente de aparecer por entre o nevoeiro dos milagres acompanhado pela Nossa Senhora de Fátima e pelos três pastorinhos e também por um cão pastor, para os defensores dos direitos dos animais não se sentirem sós, ou mal acompanhados. Devemos evitar todo o tipo de academismo e limpar as lágrimas do desalento. E lá vamos vivendo entre dúvidas e desenganos, entre pequenas intrigas e entre amizades, umas boas e outras falsas. Sim, lá vamos debelando a indiferença neste país de alegres basbaques. Claro que a boa vida que se leva em Portugal acaba por estar carregada de ironia, mas a ironia também necessita de subtilezas. Claro que neste país de poetas, algumas estrofes ficam murchas, mas tudo tem o seu tempo. Fosse Dom Dinis vivo e todos lhe frequentaríamos a corte. Por vezes é avisado meter os amores-perfeitos entre as folhas de um velho dicionário. Não se podem anular os valores do passado, nem sobrestimar as energias daquilo que é novo. A pátria é uma transcendência. Portugal é disso exemplo pioneiro. Convém lembrar o inexcedível orgulho de termos sido os primeiros “astronautas” dos mares, quando neles reinavam os mostrengos e de ainda sermos os maiores pescadores, cozinheiros e comedores de bacalhau. Que povo teria a imaginação suficiente para inventar os bolos de bacalhau? Portugal! Portugal! Este país é o milagre profetizado pelo Bandarra. A pátria está de novo sequiosa da sua alma. Vá lá, toca a dançar o vira. Há que ter cuidado com os manipansos e estar com um olho no burro e com o outro neles. Agora não se vende apenas banha da cobra porque, para ser autêntica, tem de vir com defeito. O sofrimento da desilusão tem de ser prolongado. Ninguém quer viver uma vida honesta porque a pobreza não é futuro que se deseje. O mal já foi feito, agora há que replicá-lo. Não se podem rejeitar as sobras, nem as cascas do camarão com que se pode fazer um creme apetitoso. Não se pode desperdiçar, de ânimo leve, a boa lavadura. Os sonhos de comida só podem criar diabéticos, muitos e bons. Os soluços e os arrotos deixam tudo muito mais claro. Bravo. Bravíssimo. A nossa adesão ao marxismo-leninismo durou o tempo de um arraial transmontano e extinguiu-se logo após o fogo de artifício. A revolução nacional foi uma caldeirada de carapau e sardinha. Bardamerda para os acepipes. Que malcriados são os almirantes da marinha. E pequerruchos. Este povo povinho povo não se importa de estar sem ser. Ou de ser sem estar. Aprendeu a gatinhar já depois de andar. Perseguir a verdade é diferente de perseguir o seu sentido. Os portugueses, por uma ou outra razão, sempre estiverem peados na sua ação cultural. O Ícaro português voa com asas feitas com cera reciclada em Fátima. Será que vão derreter? A sua intenção é a teatralidade. Nós somos como peixes de água doce enfiados no mar. Ou peixes de água salgada a nadar numa das muitas albufeiras nacionais. A nossa imaginação pode não ser esforçada, mas é forçada. Faz parte do teatro domingueiro, estar dentro e fora da ação de graças. A leveza e a leviandade podemos nós muito bem com elas. O ritual do banquete e o desfile de pares, até à mesa da cerimónia, seja ela de que tipo for, provoca uma erupção do grotesco. Vamos lá então entrar no baile. Até a mesmíssima e empenhadíssima mulher portuguesa está decidida a entrar na dança espicaçada pelo mistério libertador de um sonho. O seu papel é um compósito entre o papel de criada e princesa. Pode parecer uma situação desesperada, mas também pode ser divertida. Ai a desgraça de querer ser, ou parecer, engraçado. Ai, ai, ai!