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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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18
Mar24

674 - Pérolas e Diamantes: A luta continua

João Madureira

Apresentação3-2 - cópia 2 (2).jpg 

Por vezes somos dominados pelo cansaço. E também porque a luta continua. Provavelmente não. O diabo do escapismo sempre a sussurrar-nos ao ouvido. E nós a tentar diferentes tentativas de fuga à missão. Impossível. Pobre é o escritor que se deixa aprisionar pelas suas próprias palavras. Eu não desconfio delas. Desconfio é daqueles que lutam sobretudo com a forma, sobrestimando tudo o resto. Quem se esconde atrás da forma é porque desconfia das palavras. A temática sexual é geradora de desconfiança. A arte acontece entre pessoas concretas, necessariamente imperfeitas. Bendita arte. A literatura tipicamente sedutora, tende a ser pedagógica, por isso não inspira confiança. E é desnecessária. A má arte, por incrível que pareça, é sempre a mais representativa da pátria. A beleza tem os seus mistérios. Que beleza de nação cheia de gente que gosta de passarada, especialmente da de comer. E de bolachas Maria para embeber no café com leite. E de animais de estimação, sobretudo cães e gatos. E de porquinhos mealheiros. E de peixinhos vermelhos a nadar em círculos dentro de aquários minúsculos. Gente que gosta de sonhar acordada, escrever poesia romântica, doar sangue e falar impecavelmente línguas europeias. E que se pela por derramar teorias sobre a qualidade, ou a falta dela, do treinador da sua equipa de futebol. Que aprecia sentir as brisas a soprar nas esquinas e que adora o verão de São Martinho, castanhas e vinho e de contar pela milionésima vez a lenda do tal legionário romano que ofereceu metade da sua capa a um mendigo enregelado. Gente que se atrapalha com os números, com os sinais diacríticos, com os presságios, com as miríades, as complexidades estatísticas e os palimpsestos das aventuras numéricas das outras gentes. Esta é gente que se orgulha de gostar muito de caldeirada. Daí teorizar misturando aspetos sociológicos, antropológicos, metafísicos, éticos, religiosos, filosóficos, culturais, musicais, intelectuais, poéticos, artísticos, históricos, militares, judicias, ambientais, políticos, raciais, morais, futebolísticos, físicos, musculares, ginecológicos, prostáticos, dentários e até urinários. O que esta pacífica gente mais gosta de fazer é comer, beber e jogar às cartas. Gosta também de regressar a casa, de visitar a família e de convencer a vizinhança de que a sua vida é um sucesso. Durante as festas dos povos, agora deu-lhes para se enfiarem dentro de sacos de serapilheira, calçar sandálias mal-amanhadas feitas por artesãos de cacaracá, colocar uma espada de madeira à cinta e representar o papel de um lusitano que nunca existiu, a não ser na imaginação da rapaziada mais pândega. A peroração dos adeuses é que é o cabo dos trabalhos. Parece a história interminável. Estas pessoas gostam de fugir umas das outras, apesar de dizerem o contrário. Neste país de poetas, a poesia não se consegue concretizar. É ineficaz. Apesar de apesar… a estupidez é descarada, as pessoas são melodramáticas, tendem sempre para o sentimentalismo, para o phatos, para a palhaçada. Esta gente, esta gente indominável, momentos antes de alcançar o cais de chegada, apenas pensa no ponto de partida. Ora isto é saudade. Quando agora se olha para o céu, a tonalidade que se percebe é a de um azul reciclado. Atualmente é tudo reciclado. Até a bondade. E a mesmíssima liberdade. Ora isso faz com que toda a gente ande ligeiramente intoxicada com salmonelas e seja alérgica a leituras e a discussões literárias. Tantos anos de escola e de universidade e não se consegue arranjar emprego. Apesar disso, fico entusiasmado só de pensar no futuro. Quando forem velhos vai ser fantástico. Logo é que vai ser divertido, uma chuva de meteoros. E memórias. E chupa-chupas. E cromos de futebol. E ler duas páginas do Astérix na revista Tintim. Para o Tintim, propriamente dito, já não há pachorra. E depois a solidão e o silêncio. Ou outras coisas simples que me levam de volta ao tempo antigo. Mas não é apenas isso. A vida é bela se insistires. As saudades que eu já tinha da minha alegre casinha tão modesta… Já não há pachorra. Este porreirismo nacional vai dar cabo de nós.

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