707 - Pérolas e Diamantes: A verdade nos libertará
E por aqui andamos nós a partir e a repartir reinos imaginários. Vivendo perto do incómodo e da aventura. Como as personagens torturadas dos livros do John Le Carré, aliás David Cornwell, sem sabermos lá muito bem o que é o bem e o que é o mal. Neste mundo ambíguo tudo é de esperar. A verdade é que os maus, por vezes, mudam de razão, de verdade e até de lugar. E, para mal dos nossos pecados, o mesmo acontece com os bons. É cada vez mais difícil distingui-los. O mundo está cheio de histórias falsas, que nos parecem verdadeiras, por estarem muito perto da autenticidade. Dizem que há por aí muito anjo à solta, perdido na sua orientação, a fazer-se passar por homem, mulher ou uma outra coisa entre essas duas, que podem até ser três. Ou coisa nenhuma. São Paulo dizia, “a verdade vos libertará”. Mas qual delas?, pergunto eu. E por aqui andamos perdidos entre o jogo da verdade e da mentira. A ver as autoridades a atropelar as verdades e, por vezes, até a justiça. Esta é a terra dos sedutores baratos e dos cavaleiros andantes que não saem do lugar. Onde ainda se tratam os marialvas de província com a deferência de “senhores”. Entretanto eles comem o seu bife “à casa”, bebem da sua garrafa de tinto duriense ou alentejano, e ficam cheios de uma euforia nostálgica que os faz dar urros por dentro. E cá vamos sobrevivendo, eles e nós, nesta terra de brandos costumes, onde as famílias se conhecem umas às outras, onde se tem sempre um primo no governo, outro na oposição, um na esquerda e outro na direita. Neste Portugal outra vez muito queirosiano, a fazer lembrar Os Maias e A Capital, cheio de amigos dos Dâmasos e dos Acácios, numa amálgama de mafiosos experimentados, mas inoperantes. O problema ainda se agudiza mais quando os revolucionários nos saem ainda piores que os reacionários. País cheio de socialistas diletantes, de sociais-democratas que mais não são do que liberais reacionários e admiradores de padres, freiras e sacristias, de centristas amaneirados, de antidemocratas que são piores que grunhos e de comunistas tão light que já nem servem para pintar paredes. Isto até pode ser uma terra de bastardos, mas de bastardos ilustres. A velha monarquia espalhou-os pela nossa história ao deus-dará. A velha fidalguia entretém-se agora a matar pombos com uma Flaubert e a fazer armadas de papel para iniciarem batalhas navais nas banheiras, com os seus filhos ou netos. A causa monárquica continua a ser uma coisa de forcados e fadistas que não sabem o que fazer com o tempo que sempre lhes sobra às mãos cheias, mas com os defensores dos direitos dos animais à perna. Com guerreiros destes não vamos a lado nenhum. E não vale rir, isto não é nenhum filme de animação em 3D. O povo povinho povo até podia ser bom, se não o estragassem com mimos. Vá lá, não se riam de novo, esta não é uma tirada humorística. Provavelmente, é mesmo o povo que não merece os dirigentes que tem. A muitos, nós não os queremos, por despeito e falta de educação… democrática. E eles, sentidos, porque quem não se sente não é filho de boa gente, lá vão para a Europa exercer cargos importantes. Este povo nunca mais aprende. Ó lágrimas de Portugal, quanto do vosso sal são tretas do Fernando Pessoa ou até do Manuel Alegre! Não te metas com os bonzos, João Madureira, não te metas com os bonzos! O respeitinho é muito bonito. Não te deves meter nem com os bonzos do regime. E muito menos com os poetas do cânone. Estás aqui, estás a apanhar. Vamos lá, então, dentro das nossas humildes possibilidades, dar a volta ao texto. Vamos imaginar que estamos no recreio da nossa velhinha escola primária e a cantar: “Atirei o pau ao gato-to / Mas o gato-to não morreu-eu-eu / Dona Chica-ca assustou-se-se / Com o berro, com o berro que o gato deu…” Pronto, já está tudo no seu devido sítio, mas nada em ordem. Não vá o sapateiro além da chinela. E os deuses das pequenas coisas entretidos a verem os anjos a esvoaçarem e a cantarolarem hossanas em volta das nuvens onde se sentam. Só que, por vezes, quando se mudam os adereços e os cenários, muitos costumam cair das suas cadeiras, que eles julgavam tronos, abaixo e lá vêm os outros tomar-lhes o lugar. Sim, por vezes o mundo é mau, mas é mais bom que mau. E isso também depende de nós.