Estamos nus e gozamos. Nascem do teu corpo os séculos líricos onde os poetas dormem a sua inércia sonâmbula como se fossem raízes de sicómoros onde presumivelmente Judas se enforcou por causa da taxa cambial da traição sem se interessar verdadeiramente com a qualidade dos figos nem com o seu grau de doçura. E quem nunca sentiu o travo amargo da traição que atire a primeira pedra. E quem nunca sonhou ser rico que atire os primeiros trinta dinheiros. As paisagens nos teus olhos são agora tão suaves como poemas japoneses. Felizmente que os anjos continuam a existir na vaidade libertina dos amantes. Nasce de ti a plenitude densa das imagens puras. E os nossos corpos navegam e cavalgam como a vida exaltada. Está na hora dos anjos exactos. Santo Deus da Misericórdia acode à evidência dos espíritos aflitos de todos aqueles que não choram por causa da altivez da sua dor. Deus Santo auxilia os que utilizam as palavras plenas da fragilidade dos ornamentos. Agora as tuas pálpebras ganham a densidade sussurrante da infância. São tão nítidas como o voo glorificado dos pássaros de Inverno. O meu destino foi desviado na primeira posse do teu corpo quando a tua vagina sabia ao sal frágil da puberdade. Sinto de novo as titilações brancas do desejo. Oiço a claridade gritar sonhos abstractos. Sinto o abraço infinito do sorriso das avós. Sinto o gosto a terra molhada dos teus lábios. Sinto o sabor escuro da noite. E a sua espessura e a obliquidade da luz dos espelhos. Sinto a proximidade do mar e o amor cansado das cidades estranguladas onde os homens morrem caindo directamente das imagens. Sou agora o tempo concreto da ausência. A hecatombe das ruas agrestes, Deus e o Diabo na terra do sol. Dizes: possuis o sabor amargo dos sonhos proibidos. Dizes: és cada vez mais o tempo ausente nos olhos dos alucinados. Dizes ainda: os teus sonhos cada vez se perdem mais nas mãos dos amigos. Sim, eu sei da desordem implacável do tempo das utopias. Sim, eu sei que jurei viver até ao fim. Sim, eu sei do rigor caótico dos meus versos sombrios. Sim, eu sei dos orgasmos curtos e dos poemas disfarçados de poemas e dos orgasmos disfarçados de gemidos corajosos na sua perfeita mentira. Sim, eu sei dos vícios impessoais que fingimos ser destino. Este é agora o tempo do silêncio comprimido das armas disfarçadas. Este é o tempo dos muros dourados da tolerância e do amor obrigado e das árvores afogadas em ecologia e dos direitos cansados dos trabalhadores sindicalizados e encolerizados e organizados pelas cores da inércia e da desilusão e da ilusão e do implacável logro da igualdade. Deus da Lucidez atende à sedenta lucidez dos abismos dos crápulas porque é deles o reino dos céus. Tu dizes, por fim, as palavras cegas de lucidez: salve-se quem puder.