O comentarista
Ontem pus-me a ver e a ouvir o solilóquio do Dr. Marcelo Rebelo de Sousa na TV e, devido à sua eloquência, quase adormeci de entusiasmo. O senhor comentarista consegue impregnar as suas críticas com argumentos tão credíveis e pertinentes que me fazem desconfiar que o senhor doutor não é português, porque se o fosse não conseguia dizer aquelas coisas tão bem ditas, não era capaz de transformar o que para o comum dos mortais são verdades de Lapalisse em teses argumentativas dignas do teatro de Sófocles. E ditas com aquele seu ciciar as palavras à moda dos sassamelos é enternecedor. Como enternecedoras são as suas doutas opiniões sobre os livros e sobre o governo e sobre o futebol e sobre o ténis e sobre ele próprio. O Dr. Marcelo podia e devia ser um exemplo para o país, para o governo e para o futebol e para o ténis e para ele próprio. O Dr. Rebelo tudo entende, tudo compreende, tudo explica e tudo escrutina com uma leveza digna dos maiores elogios. Não é que ele os necessite, não, para o Dr. Sousa elogios são a coisa mais comezinha que existe. E as suas opiniões também. Mas apenas são comezinhos na aparência, porque debaixo da simplicidade das suas análises reside toda uma sapiência que demorou décadas a construir. Por isso o imagino a citar Tácito em A Vida Agrícola: "Tudo quanto é desconhecido é aumentado”. Eu aprecio muito a sua brilhante verve, a sua dedicação introspectiva à crítica política sem necessitar de passar pela sua execução. Executar que executem os outros, pois para isso foram mandatados. Ele apenas tem a incumbência de alertar quem deve ser alertado. Ele vive e reflecte sobre a realidade. Nós vivemos na ilusão. Ele fala, analisa, lê, escreve, medita, nada todos os dias no mar perto de sua casa e come uma sandes ao almoço. Nós, os que o ouvimos com toda a atenção do mundo, bem o queremos imitar, mas não conseguimos. Falta-nos o apego à realidade. Portugal necessitava, necessita e necessitará de milhares de Marcelos espalhados pelas empresas, pelas universidades, pelas escolas, pelas esquadras, pelos centros de emprego, pelos hospitais, pelas câmaras municipais e pelas juntas de freguesia. E estamos em crer que mesmo assim seriam poucos. E quanto não daria a Igreja Católica para poder ter em cada púlpito e em cada igreja um Marcelo sacerdote? Em menos de um ano transformaria os templos frios e vazios em espaços a abarrotar de crentes sequiosos das suas singelas, mas sábias palavras. E era mesmo homem para, em conjunto com a palavra de Deus, nos indicar a leitura de um livro, as receitas mais económicas para a semana, o partido melhor colocado para ganhar as eleições, sem recorrer a sondagens, e de definir a estratégia e a táctica para o Benfica ganhar o campeonato de futebol dois anos seguidos. Era padre para fazer vir Cristo à Terra pela terceira vez, de ensinar o novo Evangelho ao próprio Cristo e, estamos em crer, ao mesmíssimo Deus, de o orientar na busca da verdade, de lhe explicar como devia amar o seu putativo pai e o seu Pai verdadeiro sem criar uma relação afectiva conflituosa e assim destruir o complexo de Édipo e muito mais tarde a teoria de Freud, como relacionar-se com os apóstolos sem despoletar ciúmes e traições, como tratar da sua relação com as mulheres, de lhe explicar da necessidade do novo relacionamento com os vendilhões do templo, de como fazer os milagres sem ser exibicionista, de como perdoar os pecados sem com isso pôr em causa a fé dos discípulos, da necessidade de evitar transformar a água em vinho, para dessa forma escusar dar maus exemplos que perduram desde há dois mil anos, de não secar as figueiras por vingança, de evitar multiplicar o pão e os peixes pois tais atitudes fazem descer perigosamente os preços desses produtos e põem em causa toda a economia nacional, de evitar dar a César o que é de César, porque César já morreu há uma porrada de anos e continua a receber dinheiro que não lhe serve para nada. O Dr. Rebelo podia mesmo vir a ser o novo Messias não se desse o caso de ser português. Fosse ele americano e outro galo cantaria, não o que cantarolou tão afinado e certeiro que fez com que Pedro negasse Cristo três vezes. Se o Dr. Sousa tivesse sido discípulo de Cristo é mais que certo que quem passaria à história como o Filho de Deus não seria o que hoje conhecemos e veneramos como tal, mas sim o comentador da televisão, pois, como todos bem sabemos, a progenitura do Filho de Deus continua a ser motivo de polémica. O Dr. Marcelo era mesmo capaz de fazer desistir o próprio Deus da ideia de matar o seu querido descendente para redimir e salvar os homens. Devido à sua eloquência, ao seu poder de persuasão e à capacidade de dormir pouco e ler à velocidade do Super-homem, era senhor para convencer o homem da cruz a desobedecer ao Pai e, em vez de ser morto para fundar uma religião e depois subir aos céus para fazer companhia ao seu solitário Pai, renegá-lo e seguir a profissão de advogado, ou político, que são ambas onde o poder da palavra e o dom de a usar em público são melhor aceites. E escusava a senhora de vendar os olhos para pegar na balança, pois se o seu pai fundador fosse Cristo ela nunca teria a necessidade de tapar os olhos e pesar os crimes dos homens para fazer justiça. Também é possível que se Cristo nascesse nos dias de hoje enveredasse pela carreira de comentarista político. Ou melhor, estamos em crer que se Cristo encarnasse num ser humano que tivesse o cartão de cidadão português, necessariamente teria de ser o Dr. Marcelo. E imagino-o a recitar o versículo do salmo cinquenta e sete do Evangelho segundo S. Mateus: “Levanta-te, glória minha, levanta-te, saltério e cítara: eu próprio me levantarei cedo”. Não foi em vão que por causa das promessas do senhor comentarista Cristo desceu à terra uns dias antes de o Dr. Marcelo aceitar ser presidente do PSD. Uma coisa é ser invocado em vão, outra, bem distinta, é ser citado como testemunha do Dr. Marcelo. Aí nem Cristo tem vontade de contrariar o senhor doutor comentarista. Pois uma coisa é ser amigo do Dr. Rebelo, outra, bem diversa, é ser-se seu inimigo. Ó Dr. Marcelo, nós aqui gostamos muito do senhor e assistimos sempre à sua homília dos domingos. A paz esteja consigo, porque a paciência está ainda connosco. Só não sabemos até quando.
PS – Exclusivamente para senhoras. Seguindo a lucidez intrínseca das propostas do Professor Marcelo na televisão.
Para a estação fria que aí vem estão convidadas a transformarem-se numa personagem das boas séries da TVI e a desfilarem por essa cidade com a elegância levemente afectada de uma lady ou a viajarem até aos climas invernais do pólo norte, transformadas em esquimós modernas.
Gostos à parte, a nossa proposta assenta basicamente na sobriedade das cores, na subtileza do veludo e em looks que se pautam pela inspiração retro e pelo minimalismo.
E também está muito na moda neste Inverno votar no Professor Cavaco Silva. Paixões, beleza, design e preferências políticas não se discutem, seguem-se.