O substantivo feminino
Rachida Dati (eurodeputada francesa) numa breve declaração à televisão afirmou: “Vejo alguns (fundos de investimento estrangeiros) que visam rendibilidades de 20 a 25% numa altura em que a felação é quase nula”. Muitos órgãos de informação vieram dizer que esta sua curta declaração se ficou a dever a um lapsus linguae. Eu, com licença dos estimados leitores e de muitos jornalistas encartados, permito-me discordar.
O substantivo feminino felação (latim *fellatio, -onis, acçãoação de chupar, de fello, -are, chupar; prática sexual que consiste em estimular o pénis com a boca ou com a língua), segundo os comentaristas, deve ter surgido em vez do seu congénere deflação (inglês deflation) actoAto de retirar da circulação o papel-moeda, superabundante ≠ inflação). Lá poder podia mas a senhora deputada, seguindo o mesmo raciocínio, também podia querer dizer falação (discurso, palração), que é até o termo mais ajustado ao seu actual emprego. Pois os deputados, quer eles estejam adstritos aos respectivos parlamentos nacionais ou ao europeu, são exímios no discurso. É nesse papel que se sentem cómodos, felizes e onde exibem as suas boas práticas oratórias. Daí o terem sido eleitos pelos respectivos povos, que depositaram nos respectivos deputados todas as suas esperanças numa boa palração em defesa da honra e da dignidade pátrias. E, pelo que sabemos, publicamente pouco mais podem fazer do que falar muito… de vez em quando. Não por lhes faltar qualidade, mas sim por falta de tempo. É que os eurodeputados são muitos e o prazo estipulado para os debates não dá para todos. Ali cada minuto é contado ao milésimo de segundo.
Mas, contraditoriamente, a falação a que hipoteticamente a senhora deputada se podia estar a referir, em vez de diminuir com a crise, aumentou exponencialmente por essa Europa fora. E não foi só dentro dos parlamentos (quer ele seja o europeu, quer sejam os nacionais, os regionais ou mesmo os locais) que o debate se fez. Agora a discussão desceu à rua, democratizou-se. Este é o bom prenúncio das crises, o potencializar as discussões, as manifestações, as greves, os tumultos. Pois quem não se sente não é filho de boa gente. E nós sentimos tanto a turbulência que parecemos fidalgos (de fi[lho] de algo; 1. indivíduo que tem foros ou títulos de nobreza; 2. aquele que vive dos seus rendimentos; 3. popular, pejorativo: indivíduo que vive sem trabalhar e que anda bem vestido). E que fidalgos.
Nesta altura de crise nacional e internacional todos palram, mas, lá diz o povo, na sua inesgotável sabedoria: Parlamento onde não há tostão todos palram e ninguém tem razão. E como todos sabemos também quando ninguém tem razão é porque todos a temos. E o ter razão pode não nos dar pão, no entanto fornece-nos a energia suficiente para gritar e combater. Mas como em democracia os combates são civilizados, vimos para a rua gritar. E, como todos sabemos, porque o bom povo português nos ensinou, ovelha que não berra não mama. E no mamar é que está o ganho. O problema é que o leite já não dá para todos. E as tetas são cada vez menos. E agora nenhum português se conforma com beber apenas meio copo de leite quando se habituou a beber um ou dois ou três, e com chocolate. E quem é que presentemente anda a pé? Quem? Ninguém. Por vezes ainda observamos meia dúzia de maníacos das marchas a favor da saúde a calcorrear montes e vales. Mas fazem isso só para se armarem. Depois das caminhadas vão para casa empanturrar-se com salsichas e batatas fritas. Ou com bolinhos do Modelo, que são baratos e bons.
Mas cada vez se engorda mais. Os médicos bem nos avisam: comam menos para andarem menos. Quem muito anda muito se cansa. E quem se cansa tende a comer mais para repor as forças. E como comida puxa comida, lá tornamos a engordar. E depois o médico castiga-nos com mais caminhadas e outras tantas dietas e ainda outras porras que tais. E assim se desenvolve o tal círculo vicioso que é uma das mais temíveis doenças do nosso estado social.
E se a palração vai alta, a deflação tende a estabilizar. E é visível. É notório. É mensurável. Para isso estão os economistas que nos mostram os gráficos. Ou quando não são os economistas a mostrarem aqueles gráficos com os picos sempre lá no alto que nos fazem lembrar o Brunheiro, aparece o professor Marcelo com eles para nos ameaçar com a nossa insensatez, ou quando não é o professor a meter-nos medo, aparece a senhora Manuela Ferreira Leite a prometer-nos o Inferno em vida. Agora nem o engenheiro Sócrates nos dá boas notícias. Só nos fala em orçamento, orçamento, orçamento. Porra, parece que não há mais vida para além do orçamento. Até o senhor ministro da economia nos ameaça com o dilúvio caso não calcorreemos o caminho que nos aponta. Chega. Chamem o Jorge Sampaio, pois ele sabe que há mais vida para além do orçamento. Convidem o Santana Lopes para primeiro-ministro. Que ele sabe muito bem como cuidar de orçamentos em incubadoras. Peçam a Cavaco Silva para fazer o alto sacrifício de abandonar a presidência da república e voltar a ser de novo o ministro das finanças. Em Portugal, só ele e mais meia dúzia de economista seus amigos percebem alguma coisa de números. Dessa forma fazia um enorme favor ao país. E para presidente podia voltar Mário Soares pois só ele é fixe. E na Europa ninguém lhe mete medo. Ele e a sua autoridade podem bem com a senhora Merkel. Para enfrentar Sarkozy basta a Maria Barroso. O que eu quero dizer é que façamos um governo de salvação nacional. Um governo de unidade entre o PS e o PSD. E os outros três partidos também têm de participar neste esforço nacional através da oposição. É que todos os partidos no governo forçavam a que a oposição fosse feita pelos emigrantes. E eles são ainda poucos e possuem fracas qualificações. Mais a mais, a oposição em Portugal é das mais coerentes a nível europeu. Governo? Nunca. Oposição Sempre. Governo nunca mais. Os estrangeiros que paguem a crise.
Por isso é que a felação é quase nula. Eu não sei bem como se pode aferir da sua prática, já que é um acto que convida ao recato e à intimidade do lar. Mas com a crise, os níveis de bem-estar estão seriamente ameaçados e sem eles a frequência e a qualidade das felações têm necessariamente de se ressentir. O que eu não sabia é que estavam tão em baixo. Mas eu também não sou deputado europeu, nem sequer sou deputado municipal. E estou em crer que nem sequer faço parte daquela amostra significativa que as empresas de sondagens e estudos de mercado utilizam. A mim nunca me perguntaram em quem votava ou se me abstinha ou se votava na oposição ou no governo ou se ia utilizar o meu boletim de voto como se fosse o totoloto.
Mas a minha intuição diz-me que a senhora deputada europeia é bem capaz de saber daquilo que fala. Além disso as mulheres francesas não são nada preconceituosas. E utilizam a boca com muito mester. E a revolução francesa tem de servir para alguma coisa mais do que para ser invocada em vão.
PS – Caros leitores, aqui vos deixo mais uma dica: as camisas de xadrez para cavalheiros vieram para ficar neste Inverno. Por isso conjuguem-nas com t-shirt beje, umas calças confortáveis com suspensórios e com um must have da estação e o casaco de pele estilo “aviador”. Pode adquirir também uns óculos de sol castanhos Persol, ou tipo “aviador” road spirit, para combinar com o casaco, em preto e dourado, cinto de pele Hilfiger Denim; relógio Diesel, botas Camel e, se não for muito sugerir, uma manta Louis Vuitton e uma bicicleta Gant.