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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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24
Mar25

723 - Pérolas e Diamantes: Os do protocolo. Chiça!

João Madureira

Apresentação3-2 - cópia 8 (2).jpg 

Se reunirmos coisas insignificantes em si mesmas, elas podem adquirir importância. Mas não é por isso que nos devemos modificar levianamente. Há ocasiões em que não podemos ocupar o lugar que nos destinam à mesa devido a uma indisposição. Faz parte da vida e das regras do protocolo. Não é avisado sentirmo-nos cómodos quando somos os últimos a descer para a sala das refeições. Apesar de terem sugerido que ali nunca existiu qualquer ordem estabelecida. É falso, mas o mais avisado é fazer que acreditamos na mentira. Por inteiro. No fundo, tudo não passa de uma questão de fé. Esperança. E caridade. Não é fácil o protocolo. As suas leis intrínsecas. As suas regras implícitas. Nos jantares protocolares, mesmo a comida se torna aborrecida. É tudo demasiado delimitado. Inclusive as migalhas que caem da mesa. E então que dizer dos solilóquios. Fala-se de tudo que vem à baila, enquanto uns mastigam e outros sorriem e meneiam a cabeça em sinal de aprovação. Há até aqueles que, como diz um personagem de Charles Dickens, “preferem ser derrubados por um homem que tenha sangue azul a ser levantado por um que o não tenha”. Tudo não passa de uma questão de protocolo. Existem também sempre aqueles que são exímios em formarem uma aliança defensiva contra um inimigo comum: nós. Nós estamos sempre destinados à confusão e à perdição. Nós tanto somos vítimas do temor como do espanto. Nessas alturas, os anjos bons costumam abandonar-nos e ali ficamos sozinhos a tentar sobreviver. Ao protocolo. Sem naufragarmos. O mais avisado é não dizer nada de importante e acreditar que os importantes despejam bênçãos sobre nós. E nós, para não estragarmos o protocolo, em vez de responder, devemos levar à boca o cálice de vinho fino. E sorrir. Como se eles fossem muito, mas mesmo muito, inteligentes. Eles, os do protocolo. Os protocolares. Sempre a fazerem soar os sinos do seu tempo. Até porque são eles os seus proprietários. Eles a porem o seu ar pensativo e a coçarem o queixo como se estivessem a barbear-se. Eles a falarem e a insinuarem que possuem ainda qualquer coisa de reserva para o que der e vier. Os outros que se amanhem. Faz parte das regras do jogo. Democrático. Ó bendita democracia! Nós temos que, a pouco e pouco, irmo-nos familiarizando com as nossas esperanças conforme se forem apresentando as ocasiões. A ocasião faz o ladrão. E tão ladrão é o que vai à horta como o que fica à porta. Agradeço aos do protocolo o terem-me facilitado esta confidência. Benditos sejam, pois são gente capaz de nos convencer dos sacrifícios necessários para atingir a desejável mediania. Essa coisa que passa a tornar-se uma parte integrante da nossa vida. Nós não queremos ser felizes, apenas rezamos para que a infelicidade não nos bata à porta. Nós o que gostamos é de nos abandonarmos às delícias da melancolia e tomarmos café expresso duas a três vezes por dia. Alguns, os mais melancólicos dos melancólicos, descobrem, por vezes, que estão sozinhos no mundo e começam a versejar como se fossem cucos à procura de pôr os ovos no ninho alheio. Outros, os que se habituaram a acreditar nos do protocolo, acabam por passar a vida a sorrir e a não reconhecerem o seu rosto no velho espelho lá de casa. Outros, ainda, passam a piscar os olhos e a beber whisky de qualidade média com duas pedrinhas de gelo, agitando-as de vez em quando para produzir o respetivo efeito sonoro. Há lá coisa mais distraidamente protocolar! É tudo tão porreiro pá que dá ganas de uma pessoa calçar umas sapatilhas e botar a fugir dali para fora. Ou até com as tamanquinhas do Zeca Afonso: “A fadiga é um dom da natureza. Chiça! Com as minhas tamanquinhas, p’ra quem não faz fortuna, mata as penas e faz covinhas…”. Com as nossas tamanquinhas toca a chispar, porreiro pá, bora lá! Já os marialvas costumam correr em cavalos que arqueiam o pescoço e levantam as patas como se também eles, os cavalos deles, pertencessem ao protocolo. Há também burros que fazem parte do protocolo. Mas manda o protocolo que não se fale deles. E eu vou cumprir com as regras protocolares. A qualquer momento, tudo à nossa volta acelera, assume a forma de um vórtice, ou de uma tempestade, e engole-nos. Vá lá, não nos deixemos cair em tentação. O protocolo é um gozo.

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