Postal de Boas Festas
Foda-se, Pai Natal, repito, e restante família. Acabaram-se os postais de Boas-Festas. Essa era já a minha vontade desde há muito tempo, mas não a podia exprimir assim tão abertamente. Eu já tenho tudo aquilo o que posso ter. Até tenho um blog. Só não tenho o que mais quero. Que são as estrelas no meu bolso para as dar à L. E foi isso sempre o que eu mais quis. Dar-lhe estrelas. E também dar as estrelas e os planetas ao V. e ao A. E oferecer, desembrulhadas, as constelações mais longínquas ao meu pai, que já não posso ver, mas de quem sinto imensa falta. E à minha mãe que me morreu nos olhos. E recompensar os cantos de trigo e os rebuçados que a minha avó me deu pondo-se no teu lugar quando a abandonaste num Natal longínquo de 1966. Foda-se Pai Natal. Desculpa Pai Natal. Eu sempre pensei que não existias, mas agora sei que existes e que és uma grande merda. Simbolicamente, claro. E isso é muito pior do que se verdadeiramente não existisses. Transformaram-te em realidade, uma dura, crua e sinistra realidade. Uma obsessão. Uma conspiração contra os sentimentos, contra a beleza, contra a fraternidade. Contra a simplicidade das sensações mais íntimas e mais puras. Tu és só presentes. Tu és só presente. E os ausentes? Hã? E os ausentes? Onde estão os ausentes? Só cintilas com dinheiro. Só sorris no meio do desperdício e da futilidade. Só ajudas os que têm. Só iludes os que não são capazes de sonhar. E os ausentes, que tanta falta me fazem, onde estão? Foda-se, Pai Natal, deixaste que te transformassem num velho de barbas branquinhas todo vestido de vermelho. E, ainda por cima, gordo. Muito gordo. E que se ri como um comentarista de rádio que dá peidos sonoros, roucos, untuosos e vernáculos. Foda-se, Pai Natal, dás pena. Apetece mesmo dar-te com o pinheirinho artificial nas trombas e depois pôr-te à geada enrolado em luzinhas intermitentes. Sempre a piscar. Sempre a piscar. Sempre a piscar. Sempre a piscar. Sempre a piscar. Sempre a piscar. Sempre a piscar. Sempre a piscar. Sempre a piscar. Sempre a piscar. Sempre a piscar. Sempre a piscar.