O Poema Infinito (58): o rigoroso segredo da paixão
É preciso falar da terra transfigurada em Primavera, das palavras infatigáveis, das raízes circundantes da verdade. Cavalos silenciosos cavalgam por dentro de estrelas inclinadas. Homens dormem fundidos com os seus sonhos de aventura. Mulheres cantam verbos ampliados pela alegria. Nos caminhos velhos ressuscitam os sorrisos dos anciãos, as pedras tremem de silêncio, as águas eternas correm pela garganta da montanha. Uma alegria desesperada ilumina as colinas misteriosas. Olhares inocentes reaparecem inspirados pela humidade da carne lasciva. O amor cavalga a insatisfação. Erecções múltiplas alimentam as finas raízes do prazer. Tudo volta a ser como dantes. Tudo se desfaz e se refaz imperceptivelmente, como um corpo de sangue. Os meus dedos escutam a pungência do teu sexo acendido. Mistura-se o prazer e a dor. Os olhos possuem vertigens lentas. As nossas bocas são agora fogueiras ingénuas. O desejo cumpre de novo a tarefa de aplicar a vida na sua oculta loucura. Os devaneios linguísticos transformam-se em pequenas imagens excitadas. Essa é a vida árdua do amante. Depois de mexer no teu corpo mexo também no meu arrefecimento. O desejo passa então de íntimo a eterno. Deito-me no calmo canto dos teus olhos e brilho. Essa é a pessoalíssima visão do amor. Vejo ervas e musgo e estrelas paradas no teu cabelo. E de novo as coisas acontecem. As coisas pessoalissimamente universais ressuscitam na sua envolvência parada. O movimento é o corpo. A inocência é o dom. Toda a inocência tem a idade da poesia. É esse o rigoroso segredo da paixão.