Terceira crónica estival: um, dois, três e… zzzzzzzzzzzzz
As noites são quentes, os dias são quentes, o sol é estonteante e o mar é frio como o caraças. Mas de resto, tudo bem. Continuo a ir para a praia, continuo a besuntar-me com muito rigor, continuo a ir tomar banho no mar aos solavancos, hesitando, hesitando, hesitando sempre. De noite suo muito por causa do calor. De manhã acordo alagado em água. Agora a pele começou a dar mensagens de que, por não estar habituada a tanto sol, também existe e não gosta mesmo nada de ser maltratada. O contacto com os tecidos tornou-se problemático. Fora isso, férias na praia são encantadoras, sobretudo antes de fazermos centenas de quilómetros para ir ao seu encontro e depois de já estarmos a trabalhar, quando a recordamos, em amena cavaqueira, na doce e calma companhia dos amigos.
Ler os jornais na praia é uma trabalheira. O vento sempre a soprar faz as páginas adejar em todos os sentidos e, quando o vento acalma, as mãos gordurosas do protector solar, em aliança espúria com a tinta das letras impressas, mancham tudo. Fora isso, tudo bem. A areia escalda, os vizinhos da barraca ao lado gracejam à base de impropérios (bendito seja o povo mais o seu sagrado linguajar), os filhos de vários casais amigos jogam futebol, ou batem ritmadamente com duas raquetes numa bola muito parecida à do ténis mas que produz um som estranho, levantam areia, chutam a bola contra quem passa, gritam imenso a sua alegria, pedem muita desculpa pelo incómodo de virem de cinco em cinco minutos procurar as bolas tresmalhadas nas toalhas das pessoas que para aqui estão de papo ao ar, com os olhos fechados a fazerem que descansam, enquanto se vão remordendo de raiva e angústia por causa de, à semelhança da interdição aos cães, a praia não ser igualmente vedada às crianças e aos africanos que persistem em vender relógios, óculos de sol e girafas de madeira de vários tamanhos e preços.
Passear na praia é aquilo que me dá mais prazer. Desde logo porque consigo aguentar bem o contacto da água fria com os meus delicados pés. Mas também tem os seus inconvenientes: a inclinação do areal que prejudica a frágil estabilidade da minha coluna vertebral, as pedras que incomodam o meu andar, a elevada quantidade de pessoas que se põem a passear junto ao mar ao mesmo tempo mas em direcções opostas, os jogadores de futebol e raquetes que ocupam a maior parte do espaço vital da praia, os jovens mergulhadores que correm como loucos e aos gritos, para saltarem para as ondas, assustando as pessoas mais idosas e aspergindo água fria sobre as crianças que descansadamente fazem buracos na areia.
Por vezes dá-me vontade de ir urinar por força da muita água que bebo devido ao facto de tomar uns comprimidos que são diuréticos e por isso amenizam a minha tensão arterial. Mas como nessa altura já o sol aperta muito, e as casas de banho são distantes, o exercício torna-se penoso. Amigos meus mais dados à zombaria, aconselham-me a que me enfie no Atlântico e verta águas dentro do seu aconchego, pois ninguém dá por nada, além disso, dizem eles com acerto, e com vossa licença, o mijo é salgadinho como a água do mar. Reconheço que o apelo é forte, mas a minha educação espartana proíbe-me determinantemente de dar tréguas ao facilitismo e à promiscuidade.
Quando chega a hora do almoço, o sol aperta de tal maneira que me só me apetece fugir dali. Mas o caminho até casa é tão íngreme e penoso que apenas me consigo arrastar pela torreira, incomodado com o sal seco na pele das minhas costas e a areia nos interstícios das minhas chinelas de plástico robusto. Os sacos com as toalhas molhadas pesam. O sol continua a atacar, os outros veraneantes empurram-me, as crianças berram, os jovens pedalam nas suas bicicletas pelo meio das pessoas como se fossem pilotos de motas de grande cilindrada, os africanos insistem de novo na oferta a bom preço, dos óculos, dos relógios e das girafas. Entretanto é necessário passar pelo supermercado para comprar bebidas. Lá dentro a fila é enorme, os estrangeiros são muitos e as funcionárias das caixas não têm mãos a medir. Depois de aviado, entro de novo na torreira e subo a ladeira até casa com o mesmo esforço que Cristo pôs quando carregou a cruz até ao calvário.
O almoço foi frugal, bem regado, talvez até regado bem demais. Termino-o com uma sopa que me põe a suar em bica. Depois da sobremesa, que é sempre composta por fruta fresca e boa, refresco a cara e o tronco com água corrente e ponho-me a ver a televisão. É a volta a Portugal. Adormeço logo de seguida. Acordo, todo suado, quando a Luzia me diz que está na hora de ir para a praia. Vou de novo à casa de banho para me refrescar. E refresco-me. Pego no saco das toalhas e lá vou eu. Agora é a descer, mas a descida é tão íngreme que tenho de travar senão despenho-me.
Chegado à praia, com os pés a arder, coloco as toalhas, besunto-me, vou até a beira-mar e refresco-me. O sol continua bravo e o calor é muito. Por isso vou passear. Mas como o areal tem um desnível, os jovens jogam, correm e mergulham, as pessoas atropelam-se e o mar continua frio, resolvo deitar-me na toalha e adormecer. Mas…
De olhos fechados, mas acordado, começo a pensar nesta crónica e por isso vou alinhavando alguns lembretes mentais: descrição do prazer que é passar as férias na praia, abordar rotinas, falar do esplendor do convívio com os veraneantes, colocar um pouquinho de sal e pimenta no final com uma leve menção a Pedro Passos Coelho e António José Seguro, rrrr… Então não é que o PPC… shshsh… Já para não falar do AJS que… zzzz… Resumindo e concluindo, estamos bem trama… zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz~
PS (primeira parte) – Conversa (escrita) entre um ex-ministro da educação e um professor no grupo do Facebook “Um Sorriso por Portugal”. JDJ: Quanto o acto de SORRIR é um acto de esperança no futuro. Por vezes não imaginamos a força que pode ter um sorriso. JM: Há qualquer coisa que me ultrapassa em tão vãs palavras. Se os lugares comuns pagassem imposto… E saber que o meu amigo foi ministro da educação. JDJ: Meu caro amigo João Madureira, se assim fosse não queria estar na sua pele, depois de ler o seu último texto. JM: O seu acto de sorrir é tocante. Sorria caro Justino, sorria… O meu amigo está nos apanhados.
Um pouco mais à frente, o JM foi expulso do grupo que se auto-intitula “Um Sorriso por Portugal”.