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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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12
Set11

O sentimentalismo e a troika

João Madureira

 

Desde pequeno que tenho uma relação difícil com tudo o que remete para a esfera do sentimental. Ou melhor, quando me falam em algo sentimental fico logo com um pé atrás, e só não fico com os dois porque dessa forma caio.

 

Confesso que tenho uma relação complicada com os clichés e com os lugares comuns. Provocam-me urticária. Aprendi a ser persistente desde criança. Feitios. A esfera do sentimental lembra-me a nostalgia, a piedade, o pedantismo, a hipocrisia e os contos de fadas. A minha avó era muito anti-sentimental, apesar (ou por isso mesmo) da sua educação singela, da sua vida difícil e da sua viuvez precoce. Era autêntica. Por isso, eu tento sempre ser verdadeiro. Tento. Tento sempre. Mesmo que isso me prejudique. Feitios. Daí, provavelmente, apreciar Milan Kundera, pois escreve palavras severas contra o sentimentalismo e contra a mentira.

 

O escritor checoslovaco defende que o sentimentalismo é um disfarce, que colocamos em cima do mundo para não percebermos como vivemos. Quanto à mentira, as cinzas da utopia do comunismo (tarde, mas mais vale tarde do que nunca) aí estão para lhe dar razão. Toda a razão. Por isso tento, ainda, contrariar o sentimentalismo e opor-me a todo o tipo de totalitarismo, seja ele comunista ou fascista. Entre os dois venha o Diabo e escolha, se for capaz.

 

Sentimentalismo é, por exemplo, o presidente do Inatel, Vítor Ramalho, pagar cinco mil euros por uma entrevista, registada como trabalho de promoção, ao “País Positivo”, uma revista gratuita de carácter comercial e distribuída com o jornal Público. Na verdade, este tipo de trabalho de promoção dá muito jeito, não só ao putativo “País Positivo”, como ao Inatel e também a muitos autarcas em tempo de campanha eleitoral no sentido de promoverem, mais do que as potencialidades e as obras do concelho que dirigem, as respectivas campanhas eleitorais. E tudo à custa do erário público. Daí o país estar como está, cheio de dívidas e dirigido por políticos que, para comprarem as bandeirinhas, os cartazes, os espelhos, os chapéus, as esferográficas e os apitos, vendem a alma aos empreiteiros e aos seus sucedâneos, além de utilizarem o pretexto das entrevistas e artigos encomendados que custam pipas de dinheiro e são apenas, e só, eficazes manobras de propaganda eleitoral, tudo facturado em nome da autarquia e servido ao povo como trabalho jornalístico de primeira qualidade, quando toda a verborreia, vertida em papel de jornal, não passa de uma enorme efabulação publicada, repito e sublinho, em espaço comprado e pago a peso de ouro para propagandear, muitas das vezes, meias verdades, quando não mentiras descaradas. 

 

Vítor Ramalho disse que voltaria a fazer o mesmo. E estou em crer que os autarcas continuarão a comprar as entrevistas e os espaços comerciais em jornais de distribuição gratuita que servem para enganar os incautos e martirizar as consciências inquietas. Ou seja, a desonestidade compensa.

 

E o regabofe é tanto, e tão descarado, – e eu não sabia, como estou em crer que a grande maioria dos estimados leitores também não sabe, que os autarcas municipais podem acumular funções remuneratórias nas empresas municipais – que a troika impôs uma nova reforma administrativa a proibir os autarcas de poderem acumular esses cargos (tachos, chama-lhes o povo).

 

Mas reparem, não foram nem os nossos governantes, nem os nossos autarcas, os autores dessa proposta, foram uns senhores estrangeiros vestidos de homens da regisconta que, em apenas quinze dias, descobriram a ignomínia – além de elaborarem um programa que governará Portugal durante vários anos – e exigiram a sua extinção. Mas os homens da regisconta foram ainda mais longe ao proporem a redução de freguesias, que são constituídas unicamente pelos elementos da junta e pelos seus adversários derrotados, e de algumas câmaras que nem eleitores possuem para justificarem o estatuto de juntas de freguesia.

 

Miguel Relvas, um dos directores-gerais da troika em Portugal, dos 11 eufemísticamente denominados como ministros do Governo Português, garante que o objectivo é fazer uma redução do sector empresarial local. No entanto, os lóbis instalados ao nível do poder autárquico prometem forte oposição. Pudera! Mas Relvas garante mãozinhas de veludo: “O que se pretende é uma revolução tranquila, exigível, desejável e necessária”. Que a força esteja com ele e com a sua revolução sentimental. Valha-nos a Santa Hipocrisia, a mãe de todos os demagogos.

                                                                                                    

Da área do sentimentalismo é também a nomeação da directora-geral da troika, Assunção Cristas, para a área da Agricultura. A senhora até é simpática e rechonchudinha, muito na linha tradicional da mulher portuguesa, mas não é isso, com toda a certeza, o que lhe deu créditos para ser nomeada para o putativo governo da nação. Também estamos em crer que não foi a sua categoria de professora universitária de Direito Privado que convenceu o presidente da troika em Portugal, eufemísticamente denominado Primeiro-Ministro, a nomeá-la para a pasta da agricultura. Então o que foi? Simplesmente o pertencer a um partido (CDS) que faz parte da coligação da troika sediada em território luso. Ela mesmo reconhece: “Caí aqui de pára-quedas no sentido de que não tenho nenhuma anterior ligação à agricultura”. Eu repito, para não pensarem que é gafe: “Não tenho nenhuma anterior ligação à agricultura.” E adianta: “Mas, graças a Deus, os secretários de Estado [aqui deve ler-se secretários dos directores-gerais da troika] dominam bem todas as matérias.” Ou seja, a senhora é um simpático e redondo, verbo-de-encher. 

 

Mas atenção, nas suas propostas para ganhar a confiança dos agricultores e dinamizar o sector agrícola, que está à beira da liquidação total, propõe-se desbloquear verbas atrasadas do PRODER, reduzir o número de motoristas do seu putativo ministério, ir a Bruxelas sempre que possível, reduzir o número de gravatas para poupar no ar condicionado, mexer na mobilidade dos seus funcionários e mais meia dúzia de lugares comuns que qualquer estudante do secundário é capaz de expor depois de passar duas horas a estudar um qualquer texto da CAP sobre o assunto.

 

Da área do sentimentalismo são também os apelos de Pedro Passos Coelho para a boa vontade dos portugueses relativamente às medidas de austeridade impostas pela secção da troika que dirige. Mas, pelo que oiço, sinto e sei, o bom povo português começa a perder a boa vontade e a confiança que nele depositou nas últimas eleições legislativas.

 

De cada vez que fala de improviso mete medo aos empresários, incendeia as relações socais, atemoriza os pobres e aterroriza a classe média. E quando leva o discurso preparado, aquilo sai-lhe que nem um tiro de pólvora seca. Mas para não me acusarem de convencido, má-língua ou perigoso socialista, dou a voz ao Vasco Pulido Valente, que, ao que sei, foi companheiro de luta de Sá Carneiro, deputado do PSD e apoiante de Cavaco Silva. Ora então aí vai. E sem espinhas: “O discurso [do Pontal], que devia ser claro, acabou repetitivo, retórico e uma digressão desordenada por isto e por aquilo, insusceptível de orientar ou entusiasmar ninguém. Se o sr. primeiro-ministro não sabe escrever, arranje rapidamente quem escreva por ele.”

 

E como isto já vai um pouco extenso, sentimentalmente me despeço de todos vós com a promessa de que voltarei na próxima semana, se me deixarem. 

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