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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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21
Set11

O Poema Infinito (66): a geometria da destruição

João Madureira

 

Permanece vazia a casa abandonada. De uma janela avista-se o rio. Cá dentro existe um cheiro intenso a humidade e a afastamento. Lá fora flutuam aromas intensos, cores fortes e olhares desamparados. A aldeia vive agora subjugada na sua geometria de destruição. As sombras e as silvas tomaram conta das paredes. Os insectos rumorejam misteriosos delírios. Toda a ilusão cai esfarelando-se no chão esburacado da sala. O medo é agora insinuante. Nem a imagem dos mortos se fixa nas fotografias amarelecidas. Aquela era a minha porta da infância. Hoje é um abismo de desilusão. Os ângulos da casa reflectem a meticulosa memória das cinzas. A casa atravessa agora o corpo esfíngico dos espectros. A saída secreta é actualmente um espelho de trevas. O silêncio espreita por cima do meu ombro a solidão da folha em branco. Não há escrita. Escrever dentro deste mausoléu é uma impossibilidade manifesta. O avô desfez-se numa alegoria. A avó é uma espiral dorida. O pai é uma tristeza branca. A mãe um reparo inclinado. As arestas das paredes progridem para dentro das palavras. A desolação perfura as memórias que se afundam no tempo do esquecimento. Tento acender o lume, mas os dedos encolhem-se como hélices. A solidão é tão grande que mete medo. A solidão das escadas, a solidão das portas fechadas, a solidão dos caminhos, a solidão da adolescência, a solidão das fechaduras inúteis, a solidão dos besouros abandonados, a solidão dos bancos, a solidão da herança e das árvores e dos sentidos, a solidão das fotografias e dos textos felizes, a solidão dos corpos e dos queixumes nocturnos. A casa abandonada permanece vazia. Mingou muito. A candeia está no mesmo sítio mas apenas serve para as aranhas comporem as suas teias. A varanda estilhaçou-se em mil resíduos de evocações. E o poço inverteu-se. A minha mente procura um rosto. Mas já não tenho certeza de quem. Foram-se as imagens e apenas ficaram os nomes definhados. Recrio a memória catastrófica da morte. Pouco mais há a dizer. A aldeia é uma perturbação da paisagem. A casa cada vez mais se inclina para o abandono. As horas deste lugar são um nada absoluto. Amanhece? Anoitece? Tanto faz.

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