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TerçOLHO

Este é um espaço dedicado às imagens e às tensões textuais. O resto é pura neurastenia.

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09
Nov11

O Poema Infinito (73): a distância mortal da luz

João Madureira

 

Tu foste sempre tudo dentro do dia a arder. Um medo impetuoso provocado pela tua beleza flagrante desfaz-me a memória do dia. Todas as vozes se abrem, impercetíveis, para a dimensão da água. Os teus ímpetos de fêmea são como novelos de fogo em noite de geada. És o meu doce inverno. Essa é a justa fundamentação das estações. O silêncio agrava-se agora no coração da noite. A tua presença habita o meu corpo. Tu és a minha alma. Tu és a minha fonte luminosa. As palavras sentem remorsos da tua poesia. A felicidade tem também a sua face trágica: o momento em que a aceitamos. Todos os dias que passam aumentam mais a lenta distância da verdade. Os astros projetam a noite no céu. Estrelas vertiginosas são os novos rumores fáticos da ânsia. Os teus olhos voltam a iluminar a noite. Tudo fica mais próximo. As tuas mãos modelam o desejo. As flores do quadro explodem ferozmente dentro da cor das suas pétalas fixas. Evito, por momentos, a luz lenta das tuas mãos. A distância das casas é-nos familiar. Tem sido difícil a redescoberta dos caminhos da infância. Uma brisa ténue traz até nós o outro lado da noite. Oiço as veredas por dentro das florestas. Escuto as mágoas dos móveis, a angústia das portas, as exclamações das janelas. Oiço a confusão dos livros, a perplexidade fixa das fotografias, o esboço frio dos brinquedos dos nossos filhos guardados na despensa, a imensa melancolia das máquinas fotográficas antigas. O teu corpo move-se por entre a preguiça suave do amanhecer. Observo o teu olhar de encontro ao meu. Palavras iluminadas voltam a perseguir-me dentro do sono. Tudo se volta a agitar sob o signo da solidão. Injetas-me novamente uma renovada promessa de luz. Dizes: o teu amor tem ainda a lenta loucura da verdade. Dizes: as tuas lágrimas ficam doces depois de um orgasmo. É quase manhã. As árvores de outono seguram ainda as suas folhas mais queridas. Tenho-te envolvida entre os meus braços e as minhas pernas. Do lado de fora, a luz encosta-se ao muro e a sombra interior estende-se na direção certa da casa. O teu rosto, de sorriso açucarado, é o meu novo dia. Amanheces dentro dos meus olhos. De novo. Amanheces dentro das minhas mãos. De novo. Amanheces com a pele repleta de pequeninas pérolas de orvalho. Novamente. Os pássaros nas árvores sacodem a noite das penas e preparam-nas para a luminosidade dourada do sol. Tudo ganha vida, até a ideia da morte. O sol acende as curvas da vereda que serpenteiam a floresta. A felicidade é esta quase manhã que mais logo desaguará na noite. 

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