O Poema Infinito (75): confissão
Há mais marés que marinheiros expostos. De novo o mar se torna azul. O mar. O mar azul na sua solidão de exílio, na sua teimosia feliz. É pela minha consciência que se alarga o sítio onde as marés se enchem. Depois de uma análise paciente, o teu brilho torna-se de novo explícito. Os teus olhos são uma evidência tão antiga como o amor e a morte. Depois confesso-me e segredo-te ao ouvido tudo o que venero: o aspecto fino do cume das montanhas, o brilho minúsculo dos insetos, a substância invisível da penumbra, a nitidez do esplendor da alegria, a luz que guia o rosto dos amantes, a forma dos frutos, a lúcida sabedoria da terra, a policromia dos dias enigmáticos, os frutos que despontam nas árvores do bem e do mal, a transparência do canto dos pássaros de inverno, a tua paciência iluminada, a transfiguração dos atos solenes, a indulgência dos sábios, o perfeito sentido do lume, o ponto íntimo do desejo, o árido ritmo do prazer, o fulgor específico da paciência, todas as epifanias sagradas, a solidão dos sólidos geométricos, a imagem desfocada da eternidade, a fugaz medida de todas as tardes da nossa vida, o tempo sagrado de cada imagem revelada, o tempo infinito do tempo, os retratos que perduram na bruma, a invisível altura do primeiro beijo, a gravitação dos sentimentos, a dúvida invisível do amor, a negrura insistente das noites de inverno, a ascensão persistente do júbilo, a despicienda penitência dos caminhos velhos, a rigorosa luz eterna dos domingos, as frases que são indícios de outras frases, a feliz fragilidade do teu sorriso, a desorganização iluminada da paixão, a imagem expandida da paixão, a cor da paixão, o eco dos vestígios do sofrimento, o fogo concreto da raiva, os vestígios nus do ciúme, a eficaz ausência da glória, a fé que nos afeta a fé, os contrastes da verdade, a prefiguração da verdade, a ténue melodia da verdade, os diversos conceitos sobre o acolhimento das almas, a infância, o espanto, o espaço, o espírito, o sofrimento, a procura de sentido, a limpidez pacífica do orvalho, a tua entrega, a minha entrega, a subtileza doce de um orgasmo, a língua perentória que ameiga os sexos, a subtileza de um coito prolongado, a obediência, a humildade dos sonhos prévios, a sábia surpresa do amanhecer, a paciência eficaz, o júbilo das águas correntes, a sua diáfana transparência, a harmonia, o rigor, o ato eterno do vagar, o claro sossego da nostalgia, a extensão íntima das palavras, o seu claro uso, todos os sinais de vida, a radical presença do calor do teu corpo no meu corpo, a leitura do teu olhar, a escrita dos teus gestos, a singular pureza de um beijo, a sua leitura, a lucidez dos ventos. Parado junto ao ribeiro concentro-me no mutismo acústico das águas. Um dilúvio de brilhos evidencia o espanto dos bichos. Noé só não consegue encontrar a pomba que deve emparelhar com o espírito santo. Por isso o caminho para o paraíso é tão demorado: por isso a nossa vida é tão breve.