Da expetativa ao imobilismo (III) – Presunção e água benta… (I)
Então vamos lá às obras, senhor Presidente. Ou, como muito bem diz o meu amigo, aos “projetos, às obras executadas e a executar”. E, como todos bem sabemos, as obras são sempre a grande fantasia de qualquer autarca responsável e o sonho de qualquer empreiteiro que se preze. Por vezes, tais fantasias e sonhos transformam-se em realidade com o sucesso que todos sabemos. Pois não há político que não se pele por uma obra emblemática e não existe empreiteiro que não se sacrifique em tentar ganhar a obra do seu contentamento. Daí, quase sempre, nascem amizades muito profícuas e que servem ambas as partes. Mas deixemo-nos de efabulações e voltemos à realidade. Se a realidade nos permitir.
O meu jornal regional de referência diz que o senhor presidente, “aproveitando o número 10” referiu as 10 mais emblemáticas áreas da sua intervenção. A saber: educação, cultura, desporto, ação social, requalificação urbana, valorização ambiental, acessibilidades, atividades económicas, desenvolvimento rural e serviços e cooperação.
Ou seja, referiu 10 áreas que são todas. Mas também é toda a ficção que conseguiu arrebanhar para o seu auto elogio (pois nem uma deixou de fora), porque, bem vistas as coisas, e descontando as palavras (pois palavras leva-as o vento), o que resta de concreto e palpável é muito pouco.
Já o número de ações é um dado mais fiável: 100. E também é emblemático. Toda a instituição que se preze gosta de celebrar, ou lembrar, os 100 anos de existência, ou os primeiros 100 dias de desempenho de um mandato. Olhe, senhor presidente, até eu me orgulho que o meu blog (TerçOLHO) esteja muito próximo dos 100 mil visitantes e que a minha narrativa do “Homem Sem Memória” tenha atingido na semana passada os 100 capítulos. Vaidades.
Mas, se me permite, vamos lá às suas 100 ações. Pois estou em crer, que o blog é-lhe perfeitamente indiferente e a minha narrativa nem lhe aquece nem lhe arrefece. Por exemplo, na educação refere, logo de início, o projeto “Viver a Escola”. Pois lá nome pomposo tem, mas pergunte por aí aos nossos munícipes, alunos, pais e professores incluídos, se sabem o que isso é. Nomeia também a “sua” “Carta Educativa”, e bem, pois nisso, tenho de reconhecer, foi um enorme sucesso. O seu a seu dono.
Todos sabemos que mandou fechar todas as escolas das nossas aldeias, o que determinou que muitos dos nossos povoados tenham chegado ao fim da sua milenar existência. Fala do apoio nos transportes e nas refeições aos nossos estudantes como se isso fosse, sequer, um projeto. Isso é uma obrigação sua a que não pode fugir pois recebe o dinheiro do Estado Central destinado a esse fim.
Qualquer dia também nos vem dizer que cobrar a água é um projeto autárquico da “sua” equipa. Nós sabemos que para atingir o número 100 teve de inventar, e muito. Mas até a ficção tem os seus limites e as suas regras, senão não se pode designar de fição, mas sim delírio. E enquanto a primeira é um dos elementos essenciais à boa literatura e ao bom cinema, já a segunda é uma doença que necessita de ser vigiada e controlada para bem de quem dela sofre.
E por falar em água, deixe que lhe lembre a notícia de que a Câmara, que o senhor sabiamente preside, é uma das cinco autarquias (Loures, Albufeira, Évora, Lisboa e Chaves) que mais deve às Águas de Portugal, com dívidas acima dos 10 milhões de euros cada uma. E, que eu saiba, os munícipes flavienses não deixaram de pagar a água e demais impostos diretos e indiretos.
Está visto que não é apenas o Estado Central o mau pagador. Ao que parece, o deixar crescer a dívida não foi só atributo do Cavaco Silva, do Guterres, do Durão Barroso e do Sócrates. No país é prática comum acumular dívida como quem colecciona selos, pois as gerações futuras, que já estão super endividadas, lá terão de pagar os erros de má gestão dos seus avós e dos seus pais. Isto é se ainda existir país. O que cada vez duvido mais.
Relativamente à cultura fala-nos de vários projetos, como por exemplo a Biblioteca Municipal, mas deixe que lhe lembre que a Biblioteca Municipal não foi um projeto seu mas sim de equipas autárquicas que o precederam. O senhor limitou-se a assistir ao início das obras e acompanhamento de um projeto já existente. Já o “Museu de Arte Sacra” é obra de sua autoria. Mas deixe que lhe lembre que o espaço está quase sempre às moscas e que até serviu para lá desterrar, como forma de punição, um artista plástico da nossa terra que o senhor convidou para vir trabalhar consigo.
E também a “Chaves Viva” é um projeto com a sua chancela. Mas também sabemos para o que serviu, e para o que serve: para dar emprego à “rapaziada” do partido e, por ter um estatuto de autonomia, o fazer sem prestar contas a ninguém, a não ser a meia dúzia de associados e dirigentes que também trazem na carteira, quase todos eles, o cartão laranja.
E o “Douro Jazz” também é um projeto da sua Câmara? Deixe também que lhe diga que não. Uma coisa é aproveitar alguns grupos que se deslocam à nossa região e pagar-lhes para fazerem um desvio até Chaves para aqui tocarem umas coisitas. Outra, bem distinta, é organizar um festival de jazz. Se o citado evento fosse flaviense não teria, com toda a certeza, a palavra “Douro” escrita na sua denominação.
Já a famosa “Agenda Cultural” é um projeto genuíno da sua equipa. E que bom que ele é. E também é distinto, repleto de interesse, vanguardista, dinamizador e altruísta. E, deixe que lhe diga mesmo mais, é bem o retrato da atividade cultural na nossa cidade: pequenina, comezinha e ridícula. Resumindo: liliputiana.
Já o desporto é um enchente de riso, porque é um amontoado de lérias. Por exemplo, chega a falar das provas desportivas ao ar livre (BTT) e de um “Regulamento de Apoio à Formação”. À formação de quê e para quê? E, relativamente às provas desportivas, deixe que lhe lembre que até a Casa de Cultura de Outeiro Seco chegou a fazer bem mais e com bastante menos dinheiro e pessoal.
Segue-se a ação social. E logo a abrir fala-nos da Carta Social. Lá cartas tem o senhor. O meu amigo é prolixo em epístolas. E esta é mais uma. Talvez doutra índole, mas, mesmo assim, curiosa e repleta de surpresas. Lembra-nos do apoio aos extratos sociais desfavorecidos (Ó raio de expressão mais infeliz, então os mais desfavorecidos, para si e para a sua equipa, são um extrato? Contas é que podem ter extratos, as pessoas, mesmo as mais pobres, são gente, não são extratos de nada.) e de mais uma dezena de projetos de índole indefinida e de concretização duvidosa. Mas a que me chamou mais à atenção foi o combate à toxicodependência.
Olhe que não, senhor presidente, olhe que não. A sua autarquia não a combate. Diz que a combate. E uma coisa é dizer, outra, bem distinta, é fazer. Por isso deixe que o cite: “Na ação política, mais do que intenções contam os resultados”. E os resultados aí estão com toda a sua cruel evidência. Bastava-lhe sair um dia à noite e ir à zona dos bares, na parte velha da cidade, para se inteirar de que a realidade é muito diferente do que diz, ou do que lhe dizem. Olhe que ali o tráfico e o consumo de estupefacientes são muito elevados. Mas, pelo que vou vendo, o local nem sequer é devidamente policiado. A polícia só lá vai quando é chamada e, mesmo assim, com toda a animosidade do mundo. Mas também reconheço que, como a Câmara só está aberta durante o dia, o combate por si propalado deve resumir-se a um que outro sermão de circunstância para vir nos jornais (eu sei, eu sei, e o seu vice também o sabe, não há almoços grátis, estamos aqui, estamos lá, ei sei, eu sei) ou, à falta de interlocutor, no seu Boletim Municipal. Mas é durante a noite que a droga toma conta dos espaços e da cabeça dos consumidores. Só que a essa hora já todos dormimos a bom dormir. E até ressonamos dentro da nossa indiferença.
Peço-lhe desculpa, mas hoje vou ficar-me pela metade do cardápio do seu auto elogio. Para a próxima edição fica a análise ao que ainda falta da sua relação dos “projetos concretizados, obras executadas e a executar”.
Até lá. Um abraço.